Pesca ilegal e desflorestação da Amazónia associados a paraísos fiscais

Num estudo, vários cientistas revelam que empresas envolvidas na pesca ilegal usam paraísos fiscais para registar embarcações.

Foto
A desflorestação na Amazónia: os terrenos são usados para cultivar soja ou para agropecuária Reuters/NACHO DOCE

Um grupo de cientistas pediu nesta segunda-feira uma maior transparência no uso de paraísos fiscais por empresas envolvidas em actividades que prejudicaram os oceanos e a floresta tropical da Amazónia.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Um grupo de cientistas pediu nesta segunda-feira uma maior transparência no uso de paraísos fiscais por empresas envolvidas em actividades que prejudicaram os oceanos e a floresta tropical da Amazónia.

Num estudo publicado na revista Nature  Ecology  and  Evolution, a equipa revelou que várias empresas envolvidas na pesca ilegal em todo o mundo usaram paraísos fiscais para registar as suas embarcações. Ao mesmo tempo, os investimentos na agricultura que têm danificado a floresta tropical surgem normalmente associados a contas offshore

O estudo vem no encalço da publicação, em 2016, dos Panama  Papers, que mostram como indivíduos e empresas usaram esquemas offshore para reduzir o valor dos impostos a pagar.

No artigo, os cientistas escrevem que 70% das embarcações de pesca implicadas na pesca ilegal, não reportada e não regulamentada, foram registadas num paraíso fiscal, como o Belize ou o Panamá. Por contraste, acrescentam, apenas 4% de todas as embarcações registadas no mundo inteiro têm bandeiras de paraísos fiscais.

Os cientistas também citaram documentos do banco central brasileiro que mostram que quase 70% – ou 18,4 mil milhões de dólares, de um total de 26,9 mil milhões – do capital estrangeiro investido pelas grandes empresas de soja e carne no Brasil, entre 2000 e 2011, seguiram para paraísos fiscais.

Desflorestação

As autorizações para a utilização de terras para agro-pecuária e cultivo de soja têm sido “desencadeadores de desflorestação”, especialmente nos primeiros anos do período, afirmam os cientistas. A maioria dos fundos aplicados na agro-pecuária e no cultivo de soja foram enviados a partir das ilhas Caimão, Bahamas e Holanda.

“No caso da indústria da pesca há exemplos de uso ilegal de paraísos fiscais. Falamos de evasão fiscal”, disse à Reuters o autor principal do estudo, Victor Galaz da Universidade de Estocolmo, na Suécia. Galaz diz que não há nada de ilegal em usar um paraíso fiscal para canalizar dinheiro para as quintas no Brasil, mas acrescentou que podia funcionar, às vezes, como um subsídio indirecto a práticas nefastas para o ambiente.

O relatório não nomeou empresas pesqueiras envolvidas nestas práticas, mas os cientistas escreveram às empresas listadas nos documentos do banco central brasileiro, que mostraram que as empresas Cargill e Bunge tinham o maior número de empréstimos ou dinheiro proveniente de paraísos fiscais.

Ambas as empresas disseram que estavam comprometidas na protecção do ambiente e apoiaram a moratória brasileira de 2006 sobre a soja, que bane a compra de áreas desflorestadas.

“Não ‘escondemos’ lucros ou dinheiro em paraísos fiscais”, respondeu um representante da Cargill aos autores do estudo. “A nossa empresa dá ao Governo norte-americano autorização para aceder às actividades e contas bancarias, associadas a empresas holding fora dos Estados Unidos.” 

A empresa disse à Reuters que não tinha nada a acrescentar ao comunicado.

“O nosso objectivo é construir redes de fornecimento livres da desflorestação, disse uma porta-voz da Bunge, num e-mail à Reuters, ecoando as afirmações da empresa aos investigadores.