Train Sim World: retrato do jogador enquanto maquinista

A proposta da Dovetail Games quer fazer-nos sentir na pele o que é ter uma besta mecânica às costas, mas a transposição para videojogo não permite a imersão.

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O espectro do alcance dos videojogos não se cinge a heróis e a heroínas, levando-nos a vestir outras peles temporárias. Completamente fora desse círculo de propostas, Train Sim World pede-nos o nosso tempo a troco de uma carreira como maquinista de comboios.

A obra da britânica Dovetail Games é pertença ao género dos simuladores, aos videojogos que querem a nossa total atenção na curva de aprendizagem para através do digital alimentar a sensação que estamos a aprender até à exaustão uma profissão nova. Não é um género novo, mas um género que, especialmente na categoria dos transportes, ganhou um novo fôlego depois de Euro Truck Simulator 2 ter sido o colosso que colocou muitos na pele de um camionista.

Train Sim World pede essa dedicação à ferrovia, explicando os complicados processos de aprendizagem através de vários tutoriais que nos fazem experimentar várias locomotivas, que fazem o jogador interagir com a exigência de cada tipo: desde fechar os circuitos eléctricos à manutenção das catenárias, passando por assinalar a marcha e, sem grande surpresa, parar nas respectivas estações.

A obra não fica demasiado aquém no conteúdo que oferece, mas sim na hora de manter o jogador investido para desfrutar do que é colocado à sua frente. É possível alternar entre três experiências diferentes, cada uma das quais lançando os seus tentáculos por várias subcategorias: Northeast Corridor New York (Nova Iorque), Great Western Express (Reino Unido) e Rapid Transit (Alemanha).

Cada uma oferece missões que nos levam a situações com directrizes e condicionantes que o jogo quer resolvidas. Desde maquinistas que faltaram, passando por comboios de mercadorias, até destinos famosos, galgados aos controlos de um comboio da Amtrak.

Saltamos pelo mundo sem sair do sofá, saltamos entre diferentes composições que exigem diferentes graus de atenção – além dos incontáveis botões, há também sinais a que devemos obedecer e, nos cenários mais avançados, até agulhas para mudar antes de chegarmos com o comboio à linha correcta. Somos maquinistas ou não somos maquinistas? Sim, mas isso não significa que Train Sim World seja facilmente recomendável.

Jogado numa Xbox One X e nunca esquecendo que este é um simulador e não uma obra de arcada, a verdade é que a produtora falha diversas vezes em captar o interesse. Há cenários que são pouco mais do que uma soma de minutos a olhar pela janela.

Controlar a velocidade, estar atento à amperagem, perceber as manhas da física de um corpo em movimento para calcular os metros que demora até parar no objectivo seguinte. Compreender os sinais e aferir, novamente, o tempo que demora a parar uma composição. Olhar pela janela e assinalar a marcha. Reduzir a velocidade, ter atenção aos limites da velocidade, sinais e mais sinais, um pouco de calma recomendada antes de, exacto: reduzir o manípulo da velocidade e começar a aplicar o freio da travagem. Marcha confirmada para a frente e o suave deslizar de mais uma estação, depois de ter aberto as portas para os passageiros entrarem e saírem das carruagens, depois de as ter encerrado pela centésima vez. Cumprir mais um local de chegada e de partida à hora certa, dois toques na buzina, e cá vamos nós, outra vez, para repetir o processo, porque estes passageiros precisam de chegar a algum lado.

O melhor que Train Sim World oferece são as várias locomotivas. O detalhe gráfico dos interiores e a interacção com tantos botões são excelentes. Mas não demora até percebermos que o simulador só tinha a lucrar com um maior sortido de locais e com situações mais diversificadas nos cenários.

O grafismo que vemos fora da janela é pouco diversificado e, além disso, é mau, paupérrimo em detalhes, o que só acentua precocemente a sensação de que já vimos tudo o que há para ver.

Mais: há erros técnicos por todo o lado. Texturas que são carregadas no último segundo e que quebram a imersão, falhas na detecção dos cenários circundantes. Há até aquela vez em que fui mudar as agulhas, o meu comboio não ficou parado devido ao declive e, graças a tamanha confusão técnica, Train Sim World permitiu que o meu próprio comboio não me detectasse, teleportando-me para uma das carruagens.

É verdade que o jogo permite sermos apenas passageiro, apreciando a vista e realizando objectivos banais. Mas, quando aquele erro aconteceu, estava a vestir a pele do maquinista. Se Train Sim World quer ser mesmo um simulador, então que simule e que não deixe a sua própria desilusão técnica servir como desculpa para continuar aos comandos das locomotivas.

Quando as engrenagens da nossa curiosidade e as mecânicas de Train Sim World se conjugam brevemente, há a simbiose que permite ao jogador estar um pouco mais próximo da vida de maquinista. Contudo, esses momentos não duram, destroçados pela lembrança do pouco que há para fazer e, não menos, por um departamento técnico atroz que não passa no teste, mesmo com a consola mais poderosa da Microsoft ligada a uma televisão 4K.

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