Um optimismo à prova de fogo – mas que mete água

A habilidade retórica do optimismo de Costa não corre o risco de se tornar repetitiva, cansativa e estar à beira do esgotamento?

Na longa entrevista que concedeu ontem ao Expresso, António Costa foi igual a si mesmo, confiando – como sempre em demasia – no seu conhecido talento de "surfista" político para cavalgar as ondas, sejam as da prova de fogo de Monchique ou as da agenda do Governo para os próximos tempos. Uma agenda onde constam as legislativas, as relações com os parceiros da "geringonça" e o PSD, ou o permanente exercício de equilibrismo entre os propósitos reformadores a nível interno e os condicionamentos orçamentais europeus (embora este conflito seja pouco visível numa entrevista conduzida de forma excessivamente "soft"). Mas a habilidade retórica do optimismo de Costa não corre o risco de se tornar repetitiva, cansativa e estar à beira do esgotamento?

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Na longa entrevista que concedeu ontem ao Expresso, António Costa foi igual a si mesmo, confiando – como sempre em demasia – no seu conhecido talento de "surfista" político para cavalgar as ondas, sejam as da prova de fogo de Monchique ou as da agenda do Governo para os próximos tempos. Uma agenda onde constam as legislativas, as relações com os parceiros da "geringonça" e o PSD, ou o permanente exercício de equilibrismo entre os propósitos reformadores a nível interno e os condicionamentos orçamentais europeus (embora este conflito seja pouco visível numa entrevista conduzida de forma excessivamente "soft"). Mas a habilidade retórica do optimismo de Costa não corre o risco de se tornar repetitiva, cansativa e estar à beira do esgotamento?

Vejamos a reacção do primeiro-ministro ao incêndio de Monchique. Escaldado pelos fogos de 2017, Costa apressou-se desta vez a considerar que Monchique fora a excepção à regra das medidas preventivas tomadas pelo Governo, impedindo outras ocorrências semelhantes e apostando na preservação de vidas humanas. Ou seja: ele correu o risco de parecer insensível aos efeitos da devastação no interior algarvio em reacção a ter acordado tarde para uma enorme tragédia humana como aconteceu em Pedrógão. Educado na velha escola do manobrismo político, Costa tem uma enorme dificuldade em admitir – reconheça-se que com alguma razão, num ambiente poluído pela histeria comunicacional e as "fake news" – os méritos da frontalidade. Assumi-la sem rodeios significaria, para ele, dar parte de fraco e pôr em causa o seu optimismo à prova de fogo (embora arriscando-se a meter água). Daí preferir dar uma no cravo e outra na ferradura, declarando ao Expresso: "Dizer que as pessoas podem estar descansadas é uma irresponsabilidade. Dizer que devem estar inquietas é uma desnecessidade. As pessoas têm de estar conscientes." E para ilustrar esta afirmação segue-se uma referência às alterações climáticas, às situações vividas este ano na Suécia e na Grécia ou em Portugal no ano passado, e ao problema da nossa floresta. Ora, o que tem faltado na comunicação do Governo, obcecado sobretudo em não dar provas de fraqueza, é uma genuína, constante e consequente preocupação pedagógica, em vez dos estafados truques de dissimulação, malabarismo e propaganda.

Um exemplo desses truques está na forma quase infantil com que o Governo tem tentado mascarar o actual caos nas redes de transportes públicos, através dos anúncios épicos em que se especializou o ministro Pedro Marques e reiterados agora por António Costa na entrevista ao Expresso. Mesmo que esses anúncios se venham, um dia, a concretizar, e passemos a ter transportes viários, ferroviários e fluviais dignos de um país do primeiro e não do terceiro mundo, o contraste entre essas promessas e a realidade presente é de tal forma caricatural que não haverá praticamente ninguém que acredite nelas. E não basta, como faz Costa, lançar as culpas dos atrasos e rupturas nos transportes sobre um anterior secretário de Estado de que ninguém se lembra, para absolver um Governo que só parece acordar para a realidade depois de o caos estar instalado.

Esta forma de actuação é, aliás, comum a muitas outras áreas do Governo – da Saúde à Educação –, em que se procura ocultar as crises recorrendo ao expediente de contornar a realidade. Definitivamente, por maiores que sejam o optimismo e o voluntarismo de António Costa, ele não pode ser o bombeiro de serviço para apagar tantos fogos, sem se expor ao maior risco de todos: o de os portugueses deixarem de acreditar nele.