Uma discussão absurda que originou uma satisfação ridícula

Criticar o Governo ou a GNR por terem dado prioridade às pessoas em Monchique é absurdo; mas tornar a inexistência de vítimas numa “vitória” também

Custa ouvir um ministro falar numa “grande vitória” ou um primeiro-ministro invocar algo de “extraordinário” pelo facto de não terem morrido pessoas na devastação de Monchique. E custa porque em causa está uma absoluta subversão de princípios elementares: o Governo quer transformar o que tem de ser considerado normal, a defesa da vida dos seus cidadãos, numa façanha. Desta vez, porém, vale a pena notar que estas declarações de António Costa e de Eduardo Cabrita se devem enquadrar num outro contexto que transcende a sua natural propensão para glorificarem o seu génio político, mesmo quando em causa está um incêndio que destrui milhares de hectares da floresta; Costa e Cabrita enfatizaram a questão das vidas humanas porque entre a voracidade das chamas se ergueu um debate absurdo sobre o empenho da GNR em retirar centenas de pessoas das zonas de risco.

Diz Eduardo Cabrita que “quem incentiva a que as populações se coloquem em risco está a cometer um apelo ao crime”. Tem razão. O primeiro dever de um Estado é defender a vida dos seus cidadãos e questionar este princípio básico é subverter por completo a prioridade das coisas. Nós podemos perceber que sob a tensão das chamas, sob o medo de errar, tenha havido excessos na actuação das forças da ordem. Temos também o dever de entender a resistência de cidadãos às ordens das autoridades quando em risco estavam os seus bens. Mas só por absoluta inversão das prioridades se pode questionar a acção das autoridades em Monchique. O Governo deu as ordens que tinha de dar e a GNR executou-as como era seu dever.

Depois dos 116 mortos nos incêndios do ano passado, perder uma única vida por omissão, falta de zelo ou negligência das autoridades seria intolerável. Estamos todos a imaginar o que se diria sobre o Governo se tal acontecesse. Mas o facto de não se terem perdido vidas humanas não deve suscitar ao ministro ou ao primeiro-ministro qualquer tipo de comentário triunfalista. Ambos poderiam ter falado em feitos “extraordinários” ou em “grandes vitórias” se o incêndio tivesse sido controlado no início e se não tivesse deixado um rasto de destruição que o coloca no primeiro lugar do ranking europeu do ano em matéria de fogos rurais.

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