CGD: a denúncia da estabilidade

Na visão da gestão de Paulo Macedo, os encargos com trabalhadores são uma despesa.

A notícia parece ter ficado meio perdida entre as “boas-novas” anunciadas pelo banco público. Como se não interessassem os meios para atingir os fins. Que houve lucro de 194 milhões no primeiro semestre, que França se mantém, que Luxemburgo fecha... Que nada mais importa. Pouco ou nada se fala da bomba que foi lançada, quase em simultâneo, com este anúncio positivo – a denúncia dos Acordos de Empresa por parte da Comissão Executiva da Caixa Geral de Depósitos (CGD).

A intenção da administração de Paulo Macedo é bem clara e tem sido publicamente difundida. Reduzir os encargos com os trabalhadores, quer através de saídas, quer através dos salários. Sempre com respaldo no famigerado plano estratégico acordado com a União Europeia para a recapitalização da CGD. O tal que ninguém conhece ao certo e que na sua versão pública não apresenta nada de concreto. O tal que, fazendo fé em notícias recentes, se pode renegociar para manter a atividade em França (e bem), mas que é imutável quando se trata de questões relacionadas com os trabalhadores. Na visão da gestão de Paulo Macedo, os encargos com trabalhadores são uma despesa. É essa a sua linha ideológica. Numa visão moderna, correta e coerente deveriam ser encarados como um investimento, pois são os trabalhadores que criam valor acrescentado para a empresa. E quanto mais valorizados e motivados se sentem, melhor desempenho e resultados apresentarão.

Tendo conhecimento desta situação, como é possível que a comunicação social não dê a devida importância à denúncia dos Acordos de Empresa por parte da CGD? Que estranho pacto este que se constituiu entre banco público e comunicação social, para que Paulo Macedo só goze de boa imprensa? Se os resultados positivos apresentados foram obtidos durante a vigência dos acordos de empresa, não quer isto dizer que estes não são, nem nunca foram, um obstáculo ao lucro? À exceção de pequenos e raros apontamentos, a comunicação social opta por encarar esta matéria como um não-assunto.

A gestão da CGD defende que é necessário equiparar as condições dos trabalhadores do banco público ao restante sector bancário. É fácil perceber onde é que isto vai dar. Parece que se tornou uma normalização o ataque aos direitos conquistados pelos trabalhadores durante décadas de evolução da sociedade que significou também, como não podia deixar de ser, uma melhoria das condições e vínculos laborais. Desde que entrámos neste novo milénio parece que a horda neoliberal acordou e iniciou um ataque feroz a todas as classes que teriam um vínculo contratual mais seguro ou condições salariais um pouco mais desafogadas. Passou a mensagem que estes trabalhadores são os culpados dos insucessos dos nossos governantes. Que são uns privilegiados! Quase como se nenhum trabalhador tivesse direito a viver sem ser na penúria...

Como não podia deixar de ser, cabe ao Governo a monitorização e acompanhamento do que se passa no banco detido exclusivamente pelo Estado. Estranhamente, assiste-se a um silêncio confrangedor por parte dos governantes. Não devemos esquecer que este é o Governo que tem declarado que o futuro do mundo laboral passa pelo reforço dos instrumentos de contratação coletiva. Um futuro com vínculos laborais mais estáveis, com melhores salários e criação de empregos mais qualificados. Concordo com tudo em género e número. Agora basta adequar o discurso à prática...

Mais estranho ainda são as forças partidárias que suportam este Governo, através de uma maioria de esquerda parlamentar, que são sempre tão afoitas a declarar-se como defensoras intrépidas dos trabalhadores e dos seus direitos, permanecerem mudas e quedas. Nesta questão em particular, o silêncio significa conivência e concordância com o rumo que está a ser traçado para a CGD e seus trabalhadores.

O Governo tem de ter uma voz ativa nesta questão e deve chamar à razão a administração de Paulo Macedo. Explicando o básico: não se gere uma empresa contra os seus trabalhadores! Os parceiros da "gerigonça" devem também pressionar nesse sentido. Quer mesmo o primeiro Governo português em que as esquerdas se entendem ficar para a história como cúmplice por inação da instabilidade social que se aprofunda no banco público?

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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