Retoques de Van Dunem no mapa dos tribunais vão atrasar serviço, avisam juízes

Ministério da Justiça assegura que todas as críticas susceptíveis melhorar a reforma são importantes. E diz que há meios para os juízes itinerantes se deslocarem entre tribunais.

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Adriano Miranda

A Associação Sindical de Juízes Portugueses diz que a reorganização dos tribunais que o Ministério da Justiça quer levar a cabo vai implicar nalguns casos um agravamento dos atrasos que já se registam. E também que alguns dos tribunais que despacham os processos num prazo considerado razoável deixarão de ter condições para o fazer.

Apesar de não se tratar de uma reorganização profunda, as mexidas que a tutela quer introduzir no chamado mapa judiciário implicam dezenas de pequenos ajustamentos: há tribunais que perdem juízes, enquanto outros os ganham; magistrados que passam a ter a seu cargo mais de um tribunal; e há tribunais que vêem aumentadas, reduzidas ou alteradas competências.

O sindicato dos juízes começa por pôr em causa a fiabilidade dos dados em que se baseou o Ministério da Justiça para operar estas mudanças. Diz que são estatísticas desactualizadas: “Não é avisado ajustar os quadros dos tribunais com base em números verificados numa conjuntura processual já ultrapassada”, quando os efeitos da crise económica ainda se faziam sentir no volume de processos entrados. Independentemente disso, acrescenta, há cálculos que foram feitos de forma incorrecta. Por outro lado, decidir apenas com base nos números, descurando as especificidades regionais, não é a melhor política, argumenta a associação.

Algumas das soluções de âmbito territorial preconizadas pela tutela são mesmo qualificadas como absurdas. Ter dois juízes itinerantes para os tribunais criminais da Covilhã e do Fundão, por exemplo. Forçar os magistrados a deslocarem-se até cidades onde determinadas valências da justiça dantes não chegavam, em vez de os manter a trabalhar nas sedes de distrito, é uma opção que o sindicato considera discutível. Entre outras coisas, por causa do tempo que vão perder em viagens. “Ninguém pode esperar o mesmo nível de trabalho quando se quer obrigar um juiz a passar várias horas por semana a deslocar-se entre tribunais”, assinala a associação sindical no seu parecer sobre o projecto de decreto-lei.

Há outro problema: nem todos os magistrados sabem guiar, e alguns poderão não estar sequer dispostos a fazê-lo. “É essencial assegurar aos juízes a disponibilização de meio de transporte e o pagamento de ajudas de custo. É o mínimo que se pode fazer”, defendem os representantes da classe.

E se um dos princípios que norteou a reforma feita nos tribunais em 2014 foi a especialização – ter tribunais e magistrados dedicados apenas a determinadas áreas do direito –, esta reorganização pode ter efeitos contraproducentes a esse nível: “Consideramos muito preocupante a desespecialização numa área sensível como é a da família e menores, ao subtrair-se a competência para esses processos a tribunais especializados, entregando-os a juízos locais de competência genérica ou cível."

Um caso concreto: se estas modificações forem por diante, os casais que morarem em Oliveira de Frades ou Vouzela deixarão de ter de se deslocar a Viseu se se divorciarem e disputarem a guarda dos filhos; mas o juiz que irá resolver o litígio não será especialista nesta matéria, como sucede com o que estão na capital de distrito a dirimir este tipo de questões. Para a associação sindical, “este sacrifício da especialização às vantagens da proximidade é muito duvidoso” do ponto de vista da qualidade da justiça e do interesse das populações.

Algumas das reduções de lugares de quadro de juízes previstas são outro alvo das críticas do sindicato. Nuns casos, porque são feitas em tribunais que já se encontram afundados em processos; noutros, porque “é errado reduzir os recursos humanos em tribunais que atingiram o ponto óptimo nas taxas de resolução e pendências processuais”. Situações há em que este tipo de medida se mostra “incompatível” com a necessidade de as acções judiciais serem resolvidas num prazo considerado razoável.

O Ministério da Justiça assegura que não encerrou ainda a fase de audições sobre esta matéria e que todas as contribuições e críticas susceptíveis de enriquecer a reorganização prevista são importantes. E nega que as estatísticas em que se baseou sejam pouco fiáveis: “Incluem dados recentes (até 2017), respeitando os critérios de tratamento de dados nas democracias modernas."

Além disso, a tutela assegura ter levado também em linha de conta “as percepções e avaliações empíricas dos magistrados no terreno e dos órgãos de gestão das comarcas que foram chamados a participar nesta proposta”.

Quanto aos atrasos no serviço que algumas destas medidas poderão provocar, o ministério de Francisca van Dunem afirma que “os problemas de tramitação processual ou de eficácia estão em completa oposição ao espírito da iniciativa”, que visa entre outras coisas, segundo a tutela, reforçar a oferta da chamada justiça especializada.

O Governo chama a atenção para o facto de ter vindo a abrir cursos no Centro de Estudos Judiciários para formar mais magistrados: 60 procuradores entrarão em funções até ao final do ano, e no próximo Verão sairão mais 30 juízes do Centro de Estudos Judiciários. Há um ano terminaram estes cursos outros 123 candidatos.

No que ao transporte dos juízes diz respeito, o Ministério da Justiça garante que os tribunais “têm ao dispor dos magistrados meios para facilitar e agilizar o seu trabalho sempre que a sua actividade implica deslocações”. Uma afirmação que é contrariada por vários dos relatórios anuais dos presidentes das comarcas judiciais, parte dos quais se queixam recorrentemente da falta de veículos de serviço.

Não foram apenas os juízes a apresentar objecções às intenções da tutela: também o Sindicato de Magistrados do Ministério Público o fez, sobretudo por causa do acréscimo de procuradores que esta reorganização no seu entender exige. “O Ministério Público não tem os meios humanos suficientes” para cumprir estes planos sem prejudicar outra vertente do trabalho dos magistrados, a investigação criminal, avisa o sindicato, que afirma não perceber a lógica de algumas das medidas previstas.

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