Centenas de produtores exigem demissão da administração da Lactogal

A baixa de um cêntimo no preço pago por litro foi apenas a gota de água. Empresa é acusada de falta de estratégia para enfrentar os desafios do mercado.

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Produtores deslocaram-se de vários pontos do Norte e Centro Adriano Miranda
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Produtores deslocaram-se de vários pontos do Norte e Centro

O cruzamento da Rua do Campo Alegre com a Guerra Junqueiro, no Porto, foi esta quinta-feira cortado para permitir que centenas de produtores de leite do Norte e Centro do país juntassem vozes a pedir a demissão da administração da Lactogal, grupo que tem a sua sede nesta conhecida artéria do Porto. Gritando slogans como “Casimiro para a rua, a Lactogal não é tua”, os manifestantes exprimiam a sua revolta com o trabalho que vem sendo levado a cabo pela equipa liderada por Casimiro de Almeida, na qual não vislumbram capacidade para enfrentar um mercado cada vez mais exigente.

Convocados por dezenas de cooperativas e associações profissionais, entre elas a Aprolep - Associação de Produtores de Leite de Portugal, manifestantes representando empresas familiares, algumas há várias gerações nesta actividade, decidiram exibir a sua revolta frente à sede da Lactogal, perante mais uma descida do preço do leite ao produtor, imposta pouco depois de ter sido também anunciada uma redução do leite recolhido - redução esta, argumentam, "que devia servir para evitar a descida do preço".

Mas o resgate de 60 milhões de litros, que está a ser garantido através incentivos ao fecho de explorações apoiado pela própria Lactogal - a que aderiram já mais de cem produtores - e o inesperado corte no preço do leite, em um cêntimo por litro, são apenas a última onda de uma maré de revolta. Que vem crescendo, em surdina, no sector, como se percebe pelo tom de algumas mensagens empunhadas por manifestantes, como aquela em que se lia "basta de ditadura na produção de leite". 

Pelos testemunhos recolhidos entre os manifestantes, a maioria deles do Norte do país, e integrados em cooperativas associadas à Agros, um dos três pilares da Lactogal e seu principal fornecedor, o mal-estar vai muito para lá das medidas conjunturais, provocadas por uma quebra significativa no mercado espanhol. Muitos não compreendem como uma empresa alicerçada no sector cooperativo pode gerar lucros de 44 milhões em 2017 e, a seguir, impor cortes na remuneração daqueles que lhe garantem a matéria-prima.

Vários produtores registam com preocupação as movimentações de empresas concorrentes, e queixam-se de uma atitude demasiado reactiva da Lactogal. Apesar de ter administradores “pagos a peso de ouro, com salários de 60 mil euros”, denunciam, a empresa tem sido incapaz de fazer valer o estatuto de maior produtor da Península e de desenvolver uma estratégia que suplante as dificuldades do mercado, queixam-se. Pedem por isso “sangue novo” e uma “nova visão”, sob o risco alertam, de se destruir um sector com importância económica e social do qual dependem também as próprias cooperativas que vivem, em parte, da venda, aos seus associados, de factores de produção.

Nascida em finais dos anos 90, a Lactogal é fruto da União de Cooperativas Agros, Cooperativa Lacticoop e Proleite/Mimosa S.A. - "os seus activos industriais e as principais marcas que constituem, ainda hoje, o maior património da Lactogal", garante a empresa no seu "site". Líder destacada do sector em Portugal, detém marcas de leite como Mimosa, Vigor, Gresso e Matinal, de manteiga (Primor e Milhafre dos Açores) e de queijos (Castelões), entre outras.

Em Espanha, a Lactogal é dona da Leche Celta desde que pagou 50 milhões de euros pela companhia em 2006. Em Maio passado, foi notícia quando vendeu uma das suas fábricas em Espanha, localizada em Meira, na Galiza, à cooperativa andaluza Covap (Cooperativa ganadera del Vale de los Pedroches). A unidade fabricava a marca própria da maior rede retalhista alimentar em Espanha, a Mercadona, que passou a exigir que o leite embalado fosse 100% espanhol. 

A empresa reagiu ao início da tarde em comunicado a este protesto de produtores, cuja convocatória imputou à uma associação profissional, a Aprolep, "que não teve e não tem qualquer relação, nem jurídica, nem comercial nem funcional com a Lactogal". Afirmando desconhecer as "motivações" da iniciativa, a empresa argumenta que "mesmo sem a existência de quotas de produção desde 2015, continua a receber e a pagar mais pela matéria-prima que compra, em relação à média de mercado".

Na mesma nota enviada à imprensa, a Lactogal acrescenta que só a partir de Agosto reduziu um cêntimo ao preço de cada litro que paga às cooperativas, desconhecendo se os seus accionistas vão desvalorizar o pagamento do leite nesse valor ou não. Esta é uma decisão única e exclusiva das cooperativas", insiste a Lactogal, neste comunicado em que se refere apenas indirectamente ao pedido de demissão da respectiva administração.

A Lactogal garante entender as "justas preocupações de todos os produtores, muito pelas incertezas e desafios futuros do sector, que são complexos e intensificaram-se desde o termo das quotas" mas manifesta estranheza por ser o alvo deste protesto. "O grande desafio do sector, em Portugal" - contra-argumenta - "é competir com produtos provenientes de outras origens e com práticas de dumping em produtos e categorias lácteas tão relevantes como o queijo, leite e iogurtes".

Perdas de 50 milhões em Espanha

Aliás, reportando-se ao que lhe aconteceu no país vizinho, explica, a empresa lembra que ali "os produtores conseguiram sensibilizar todos os stakeholders para criarem condições para uma clara e forte redução dos produtos importados", o que afectou as posições da Lactogal naquele país, com perdas que chegaram aos 50 milhões de euros, acrescenta. "Ao contrário, em Portugal, a Aprolep protesta contra a Lactogal por continuar a absorver toda a produção e a pagar muito mais do que a média do mercado", queixa-se.

Estes argumentos sobre os preços tiveram eco nos Açores, onde a associação local de agricultores denunciou que os produtores da Terceira e da Graciosa, dependentes da Lactogal, recebem em média 26 cêntimos por litro. Enquanto isso, comparam, os seus colegas de São Miguel, cujo produto é disputado por várias empresas, recebem em média 29,5 cêntimos, escrevem num comunicado no Facebook no qual declaram o seu apoio aos colegas do continente.

Presente nesta manifestação no Porto, o deputado Pedro Soares, do Bloco de Esquerda, desafiou o ministro da Agricultura a envolver-se nos problemas do sector em vez de "tentar sacudir a água do capote". Para o bloquista, que prometeu chamar Capoulas Santos ao Parlamento, no arranque da sessão legislativa, em Setembro, a tutela tem pelo menos o poder de sentar os protagonistas da produção, da indústria e da distribuição à mesa, para tentar um acordo que garanta viabilidade destas empresas, e do tecido económico e social que elas suportam, e é isso que deveria estar a fazer, insistiu.

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