Sobreviventes da bomba atómica sentem-se culpados por não terem ajudado outros

“Eu não era capaz de falar sobre a minha experiência até fazer 80 anos”, disse uma mulher de 89 anos que viveu o horror de Hiroxima.

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Faculdade de Medicina de Nagasáqui, destruída pela bomba atómica Torahiko Ogawa/Nagasaki Atomic Bomb Museum/REUTERS

Num inquérito feito aos hibakusha  (expressão japonesa que se refere aos sobreviventes das bombas atómicas lançadas sobre Nagasáqui e Hiroxima), metade disse ter sido incapaz de salvar outras pessoas, e mais de 70% dizem que ainda se sentem culpados por isso. 

Com o 73.º aniversário dos bombardeamentos atómicos norte-americanos do Japão – a 6 de Agosto, sobre Hiroxima, e 9 de Agosto sobre Nagasáqui – o Centro para a Paz da Universidade de Hiroxima e o jornal Yomiuri  Shimbun inquiriram em conjunto 100 pessoas que estiveram a 2km dos hipocentros das bombas atómicas em Hiroxima e Nagasáqui.

O inquérito revelou que os bombardeamentos atómicos afectaram os sobreviventes fisicamente, mas também lhes infligiram um sentimento de culpa.

Em Hiroxima, nas áreas a menos de 2km dos hipocentros, quase todos os edifícios arderam e ficaram totalmente destruídos. Em Nagasáqui, onde o terreno é em forma de bacia, cerca de 80% dos edifícios ruíram e grandes extensões de terreno arderam.

Tanto em Hiroxima como em Nagasáqui, a taxa de mortalidade ultrapassou os 80% em zonas a menos de um quilómetro dos hipocentros. Em zonas até um 1,5km, a taxa de mortalidade foi de 50% e em zonas entre um quilómetro e meio e dois quilómetros, a taxa de mortalidade ficou entre os 20% a 30%. Estas percentagens mostram claramente o horror das armas nucleares.

O inquérito foi feito através de entrevistas presenciais entre Abril e Julho.

Quando questionados sobre se tinham sido incapazes de salvar a vida de entes queridos e de outras pessoas, 47 disseram “sim”. Mas entre estes, 35 responderam: “Mesmo no presente, por vezes sinto um peso na consciência e sinto-me culpado.”

Muitos sobreviventes revelaram o seu sofrimento emocional ao lembrar a cidade destruída e as pessoas caídas no chão à beira da morte. Por exemplo, um habitante de Nagasáqui de 87 anos disse: “Vi pessoas que queriam água e me agarravam no pé. Menti-lhes e disse que voltaria com a água. Apenas lhes virei costas.”

Quando lhes perguntaram como lidavam com tais sentimentos, uma mulher de 88 anos que vive em Nagasáqui respondeu: “Por sentir que tinha a responsabilidade de transmitir a dimensão da catástrofe em honra dos que morreram, dediquei-me a falar sobre o que vivi.”

Por sua vez, uma mulher de 89 anos, de Hiroxima, contou: “Eu não era capaz de falar sobre a minha experiência até fazer 80 anos, uma vez que fazê-lo é como confessar pecados, o que é doloroso e vergonhoso.”

De acordo com o Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-estar, até Março deste ano existiam 154.859 pessoas com o certificado de sobrevivente da bomba atómica, menos 60% do que no fim do ano fiscal de 1980, quando o número atingiu o nível mais alto. A média das idades dos sobreviventes é agora de 82,06 anos.

O inquérito também sublinhou que as experiências traumáticas dos hibakusha são difíceis de relatar a gerações que não sabem da guerra e que transmitir as experiências à geração seguinte é urgente.

Dos inquiridos, 64 disseram que a ameaça das armas nucleares que os sobreviventes sentem “não é ou quase não é” transmitida às pessoas de agora. Apenas seis inquiridos disseram que a ameaça é reconhecida pelo público.

Quando perguntou se, como a Campanha Internacional para a Abolição de Armas Nucleares ganhou o Prémio Nobel da Paz no ano passado, o movimento para abolir as armas nucleares ganharia força, muitos dos sobreviventes concordaram.“Penso verdadeiramente que sim”, disseram 20 dos inquiridos; 47 preferiram a opção “Penso que sim, até certo ponto”.

Em relação a um acordo para banir armas nucleares, 63 responderam que tinham grandes expectativas quanto à obtenção de um acordo. Este número ultrapassa em muito os 13 que disseram não ter quaisquer expectativas.

Tradução de Ana Silva

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