Mais uma medalha de ouro para Inês Henriques, a pioneira

Depois do título mundial, a marchadora portuguesa conquistou em Berlim o título europeu nos 50km marcha.

Foto
Inês Henriques após cortar a meta em Berlim Reuters/MICHAEL DALDER

Ainda são poucas as mulheres que participam em provas de 50 quilómetros marcha, a prova mais longa de todo o atletismo, mais longa, mais lenta e mais cruel (por causa das desclassificações) que a maratona. Há um ano, em Londres, os Mundiais de atletismo abriram esta prova às mulheres e participaram sete. Este ano, os Europeus de Berlim fizeram o mesmo e tiveram 19 marchadoras. Tanto nos Mundiais britânicos como nos Europeus germânicos, a campeã foi a mesma, Inês Henriques, a portuguesa que continua a ser uma pioneira, agora com mais uma medalha de ouro para a colecção.

Na contabilidade portuguesa em Europeus de atletismo, esta foi a 14.ª medalha de ouro, com Inês Henriques a juntar-se a Rosa Mota (3), Francis Obikwelu (3), Manuela Machado (2), Fernanda Ribeiro, António Pinto, Dulce Félix, Patrícia Mamona e Sara Moreira como campeã continental. Esta foi também a quarta medalha obtida por marchadores portugueses em Europeus, depois da prata (2010) e do bronze (2006) de João Vieira em 20km, e do bronze de Susana Feitor nos 10km em 1998.

Tal como acontecera nos Mundiais de Londres, partiram todos ao mesmo tempo, homens e mulheres. E Inês Henriques, sem concorrência no seu género, começou logo a descolar das outras 18 a partir dos primeiros metros, e foi com os homens. Isso valeu-lhe um raspanete de Jorge Miguel, o seu treinador, quando acabou a prova. É sempre um risco na marcha querer ir demasiado depressa, por causa das desqualificações, e isto é especialmente verdade na prova dos 50km e com condições atmosféricas adversas, em que a gestão do esforço tem de ser super-rigorosa – são frequentes as imagens de atletas a desfalecer ao cortarem a meta, ou até antes.

Mas Inês Henriques não precisou de correr em ritmo de recorde do mundo para garantir com tranquilidade o título europeu. Esteve nessa passada até aos 30km, mas, como a própria confessou no final, entrou em modo gestão quando sentiu algumas dores nas pernas. "Inicialmente seguia muito bem, mas a temperatura foi subindo ao longo da prova, e, por volta dos 30km, senti dificuldades, e a perna cedeu um pouco. Felizmente, tinha uma grande vantagem e controlei a prova. Pretendia bater o recorde do mundo, com as dificuldades não foi possível, mas o principal objectivo era ser campeã da Europa”, disse a atleta portuguesa, citada pela agência Lusa.

Foi mesmo isso que aconteceu. Inês Henriques controlou a prova. Correu sozinha do princípio ao fim e terminou os 50km com o tempo de 4h09m21s, longe do seu melhor na distância, mas mais que suficiente para ser a primeira campeã europeia da distância mais longa da marcha, e ainda ter forças para levar uma bandeira gigante de Portugal nos últimos metros e chorar de alegria abraçada ao treinador após cortar a meta. Bem distantes ficaram a ucraniana Alina Tsviliy (4h12m44s) e a espanhola de origem húngara Julia Takács (4h15m22s), que completaram o primeiro pódio da disciplina em Europeus (apenas cinco das 19 participantes não chegaram ao fim).

A portuguesa teve até o extra de ter terminado a sua prova à frente de quatro atletas masculinos, um deles Pedro Isidro, o melhor dos dois portugueses. Isidro terminou em 24.º entre os 26 que chegaram ao fim, com o tempo de 4h11m44s – João Vieira, um duplo medalhado na distância mais curta, desistiu aos 28km, com dores nos gémeos. O vencedor da prova masculina acabou por ser o ucraniano Maryan Zakalnystkyy (3h46m32s), à frente do eslovaco Matej Toth (3h47m27s), campeão mundial em 2015 e campeão olímpico em 2016, e do bielorusso Dzmitry Dziubin (3h47m59s).

O futuro

Em Berlim, ficou mais uma vez provada a validade da aposta que Inês Henriques fez na distância mais longa da marcha. Foi uma espécie de segundo fôlego competitivo para a marchadora de 38 anos, que tinha estagnado nos 20km e chegou a pensar em terminar a carreira, antes de aproveitar da melhor maneira a oportunidade que ela e o seu perspicaz treinador ajudaram a criar. Teve os seus primeiros frutos em Londres 2017, um título inédito ao qual juntou um recorde mundial (4h05m56s), batido em Maio passado pela chinesa Liang Rui (4h04m36s), uma evidência de que há mais mulheres a fazer esta distância e a elevar a fasquia competitiva.

Ou seja, daqui a mais ou menos um ano, nos Mundiais de Doha, é bem provável que o lote de atletas participantes seja significativamente maior e que o favoritismo de Inês Henriques seja menos indiscutível – as atletas chinesas por certo estarão em força e resta saber qual será o estatuto do atletismo russo nessa altura. Depois, vem outro desafio, o de meter os 50km marcha femininos no programa dos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, o que não é, de todo, uma certeza – e chegou a falar-se de a própria prova masculina de 50km desaparecer do calendário dos Jogos, o que acabou por não acontecer.

“A pressão vai ser feita, inclusive por juristas ligados aos atletas para que isso aconteça, que se dê mais um passo para a igualdade entre homens e mulheres no atletismo”, diz ao PÚBLICO Jorge Vieira, presidente da Federação Portuguesa de Atletismo. O número de mulheres a fazer 50km irá crescer, garante Jorge Vieira, até porque muitas irão fazer o mesmo caminho que Inês Henriques fez, o de largar a distância mais curta, “porque perdem velocidade, mas ganham resistência”. E só o aumento da quantidade e da qualidade irá “obrigar” o Comité Olímpico Internacional a incluir a prova no programa. A luta continua, para Inês Henriques, e não só.

Sugerir correcção
Ler 7 comentários