Altas temperaturas provocaram desmaios em crianças e idosos na comunidade cigana de Beja

Sem água potável nem a sombra de uma árvore, cerca de uma centena de pessoas enfrentam desafios acrescidos perante o calor extremo dos últimos dias.

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Enric Vives-Rubio

Mais de uma centena de pessoas, que habitam barracas e tendas e que não têm acesso a água potável, vivem assustadas de que um dia o fogo se propague no mato que os rodeia.

Já se conhecia a dureza do dia-a-dia da comunidade cigana que vive no bairro das Pedreiras, em Beja, onde nos invernos rigorosos o frio afecta sobretudo as crianças e a chuva e o vento destrói as tendas e barracas cobertas com lonas, plásticos e chapas metálicas. Quando a secretária de Estado da Habitação Ana Pinho, acompanhada de Rosa Monteiro, secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, do alto-comissário para as Migrações, Pedro Calado e do presidente da Câmara de Beja, Paulo Arsénio, se deslocaram ao bairro no final de Janeiro, o panorama era desolador: as crianças estavam mal agasalhadas, eram acossadas por tosses persistentes e os pais reclamavam por uma habitação que os libertasse de vidas inteiras a viver debaixo de toldos. 

Faltava conhecer o quotidiano da comunidade durante o período estival. Com a chegada do calor extremo, a realidade que se observa no referido bairro “é de penar”. Quando o PÚBLICO se deslocou ao local pelas 11h deste domingo, com a indicação de que crianças e pessoas mais velhas desmaiavam por não terem acesso à água, a temperatura ambiente era mais uma vez “insuportável”. No espaço onde vivem mais de cem pessoas, na sua maioria crianças e idosos, em tendas e barracas rodeadas de montes de entulhos deixados pelos serviços municipais, que tem nas proximidades o seu parque de materiais, não há uma única árvore. O mato seco e denso rodeia e intercala o espaço entre as barracas e as tendas. O ponto de água que abastecia estas famílias encontra-se a quase dois quilómetros de distância, na fonte de Suratesta, mas tem uma placa a dizer que estava imprópria para consumo humano. Entretanto, dizem os que dela se serviam, “foi secando e ficando verde e deixamos de lá ir”.

Na última reunião do executivo municipal de Beja, realizada na passada quarta-feira, o PÚBLICO alertou o presidente da câmara, Paulo Arsénio, da ausência de acesso a água potável, que patenteava um evidente risco de saúde pública. Estava por cumprir a promessa feita pelo vereador Luís Miranda, quando no início de Junho se comprometeu perante dezenas de famílias ciganas que se tinham deslocado aos Paços do Concelho, reclamando o direito a habitação e, no imediato, o acesso à rede eléctrica e a um ponto de água. Decorridos dois meses, Luís Miranda adiantou ao PÚBLICO que estava a ser “muito difícil” levar a água à zona das barracas, escusando-se a entrar em mais pormenores, acrescentando apenas que a promessa que fez não era em nome da câmara mas “em nome pessoal”. Paulo Arsénio escusou-se a fazer comentários à situação relatada.

Na manhã de hoje, a falta de água não era compensada com a colocação na passada sexta-feira de uma torneira a cerca de uma centena de metros do aglomerado de barracas. A “fonte” revelou-se inadequada e insuficiente para satisfazer as necessidades das pessoas. Por estar colocada junto à zona onde a Câmara de Beja construiu em 2006, um bairro com 50 habitações para alojar cerca de 250 pessoas de origem cigana e que hoje acolhe o dobro, o novo ponto de água é disputado para todo o tipo de necessidades.

Ofélia Barão ainda conseguiu lavar a roupa da família, e encher a pequena banheira insuflável para “meter os dois filhos lá dentro” para os refrescar. A disputa do novo ponto de água passou a servir para "matar o calor”. Adultos, crianças e jovens passaram a tomar banho vestidos e calçados. “É a única maneira da gente fugir por um bocadinho ao calor”, explicaram ao PÚBLICO.

A família de Júlio Martins conta como a falta de água e as temperaturas muito elevadas acabaram por matar à sede as galinhas que tinham. "Até o cavalo lhe secou a boca”. E para o animal não morrer à sede, dois jovens da família foram buscar água numa pequena banheira para bebés. “O bicho despachou-a num instante”, observou uma das netas de Júlio Martins.

Contudo, o problema maior está na frequência de desmaios em crianças e idosos. "Veio-lhe o desmaio e depois vimos que não tinha água na garrafa”, disse uma filha de Júlio Martins, apontando para uma idosa que se arrastava à procura de sombra, afectada por um problema de diabetes. Mal conseguia falar. “Os bebés ficam escaldando”, acrescentam os relatos. “Nem para a assear a casa temos água”, acrescenta uma jovem mãe. Ofélia Barão diz que o mais a assusta são as cobras, mas sobretudo o medo de um incêndio. Em redor das barracas, e até entre elas, o mato denso e seco apresentam um risco eminente de incêndio que a comunidade cigana tenta acautelar. “Se uma chama chega às nossas casas, morremos todos assados” receia Ofélia Barão.

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