Investigação nas universidades: parcerias público-privadas

Pode estar em causa a generalização da excessiva promiscuidade da gestão pública e interesses particulares associados aos centros de investigação científica existentes nas universidades.

1. A investigação nas nossas universidades (carreiras, bolseiros, precariedade, ligação às empresas) tem sido objecto de larga controvérsia a que o PÚBLICO tem dado destacado realce.

Na edição de 2 de Julho, em artigo corajoso mas lacunoso, Gonçalo Leite Velho, presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior, afronta o “uso abusivo da figura de associação sem fins lucrativos” na gestão de dinheiros públicos na área de investigação científica e tecnológica nas universidades portuguesas. Associações que são criadas ou participadas maioritariamente pelas universidades nessa área directamente com capital ou através da cedência de edifícios e equipamentos e respectiva manutenção e, sobretudo, pagamento de vencimentos de professores, investigadores e funcionários do seu quadro.

Na minha recente experiencia, aliás muito gratificante e de que me orgulho, de presidente do Conselho Geral da Universidade do Porto (2013/2017) dei-me conta da duvidosa transparência de tais situações. De tal modo que promovi que nos estatutos se elencassem, em anexo actualizável anualmente, tais estruturas, institutos, centros, agências, associações, redes, etc., que eram cerca de 150 (DR, 2.ª, de 25/05/2015).

A lei n.º 62/2007 (RJIES) prevê que as universidades, a par das tradicionais unidades só de ensino, tenham unidades orgânicas de ensino e investigação e unidades só de investigação (art.ºs 13 e 14). Alegadamente para evitar a burocracia inerente à Administração Pública, conforme se acentua no artigo referido citando o presidente do Instituto Superior Técnico e o Manifesto Ciência Portugal 2018, as universidades têm criado ou participado com dinheiros dos impostos em entidades privadas sem fins lucrativos (?).

Entidades privadas que, além do mais, potenciam abafados conflitos de interesses com os departamentos de investigação integrados nas faculdades quer ao nível dos proventos dos respectivos investigadores, quer ao nível das facilidades de aquisição de bens e serviços, quer ao nível de receitas próprias provenientes de prestação de serviços a empresas externas ou de subvenções do Estado.

2. O RJIES (art.º 15) também prevê que as universidades, nos termos dos respectivos estatutos, possam criar por si ou com outras entidades públicas ou privadas, ou fazer parte ou incorporar no seu âmbito entidades subsidiárias de direito privado. Ponto é que estas “parcerias público-privadas" actuem com a indispensável transparência da coisa pública (art.º 112).

Os Estatutos da UP (art.º s 59 e 60), à semelhança doutros e de acordo com o RJIES (art.º 15), dispõe que a investigação se possa realizar em entidades subsidiárias de direito privado criadas ou associadas à universidade. Para tal deverão entre elas ser celebrados protocolos de cedência de recursos humanos e materiais com respectivas compensações a receber pela universidade.

Consequentemente, é-lhes exigido a entrega de um plano anual de actividades e orçamento e respectivos relatório e contas, que deverão ser consolidados nos relatório e contas da universidade. O que na realidade não se verifica!

Constata-se que estes relevantes aspectos organizativos e financeiros não têm sido objecto de suficiente atenção pelos órgãos de controlo interno dos ministérios do Ensino Superior e das Finanças.

O Tribunal de Contas, na última auditoria à UP, apenas se debruçou sobre uma pequena parte dessas entidades, fazendo recomendações incluindo da extinção de algumas delas.

O Conselho Geral da UP, no meu mandato, como se pode ver do respectivo relatório da minha autoria, fez insistentes recomendações à reitoria, designadamente sobre a inexistência dos referidos protocolos e omissões na consolidação de contas anuais, sem resultado embora com promessas.

O que pode estar em causa é a generalização da excessiva promiscuidade da gestão pública e interesses particulares associados aos centros de investigação científica eventualmente existentes nas universidades, que devem ver definido com clareza o respectivo perímetro orçamental.

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