Estou perdido – hoje não fiz scroll down!

Larguemos os ecrãs ao menos por um mês e olhemos em volta. Para lugares e pessoas. E sejamos menos duros nas avaliações que fazemos.

Faço um scroll down nas redes sociais e, como seria de esperar, vejo gente de férias, em lugares paradisíacos, de riso fácil, feliz da vida. As partes tristes, em regra, não cabem no Facebook e afins. Compreende-se. Deve haver um certo resguardo na melancolia e na dor e não queremos transformar estas formas de “comunicação” em razões para cortar os pulsos.

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Faço um scroll down nas redes sociais e, como seria de esperar, vejo gente de férias, em lugares paradisíacos, de riso fácil, feliz da vida. As partes tristes, em regra, não cabem no Facebook e afins. Compreende-se. Deve haver um certo resguardo na melancolia e na dor e não queremos transformar estas formas de “comunicação” em razões para cortar os pulsos.

Vai entre aspas a palavra comunicação, pois cada vez comunicamos menos. Vivemos num arremedo de conhecimento do/a outro/a. “Tenho-te visto no Face! Estás fantástic@!”. E ao vivo, a tomar um café, a jantar, a partilhar dois dedos de conversa? Para isso não temos tempo. Mas ficamos com a noção de que controlamos tudo, até mais de 5000 “amigos” que, ao primeiro sinal de desalinho nesta hipócrita euforia colectiva diáfana, nos “desamigam” ou deixar de pôr likes. “Hoje não vi as redes sociais!” Que pecado grave! Cuidado que estás a deixar a vida passar-te ao lado!

Relações de ecrã: nisso tornamos as nossas sociedades. Relações sem supostas ralações e, por isso, sem direito ao uso de todos os sentidos, excepto o da visão. Há quanto tempo não ouvimos, cheiramos, experimentamos, tocamos o/a outro/a? Esse alienus converteu-se num holograma com vida própria nos ecrãs do portátil ou dos smartphones. E combinar um café, com o condimento de conhecer alguém, é hoje uma verdadeira aventura. Está frio ou calor, estou longe (às vezes a 1 km), surgiu-me um imprevisto. Ao menos deixemos de inventar desculpas para esse contacto tão próximo como é tomar um café ou um copo. Parece que se vai já casar com a pessoa, em matrimónio que não conhece divórcio.

Tudo isto está estudado há muito, bastando ler o meu tão querido Zygmunt Bauman e o seu Amor Líquido (aqui fica uma grátis sugestão de leitura estival). Estudado e objecto de teses de doutoramento em Sociologia ou Filosofia. Soluções parece haver poucas ou nenhumas, excepto um regresso ao passado. O tempo de pausa das tarefas laborais pode bem ser um período favorável a olharmos menos para o telemóvel e mais para a vida. A real, aquela que está à nossa frente e não queremos ver. Temos medo, de sofrer, da rejeição, mas também – porventura sobretudo – estamos cada vez mais preguiçosos. Conhecer alguém dá trabalho, implica investimento. Ora, se não preciso de sair de casa para me alimentar, vestir, calçar, ver cinema ou mesmo satisfazer necessidades carnais, porque raio terei o esforço de ir ao encontro do/a outro/a? “Nem deve ser assim uma pessoa tão interessante, a avaliar pelo que publica no Face ou no Insta. E não é assim tão bonito/a. Olha este pormenor aqui na cara... E sei lá se estas fotos não estão carregadas de Photoshop?”

Que mal há nisto? Muito. Tenho para mim que esta ausência ou forte diminuição de contacto é responsável, em grande parte, pela astronómica quantidade de antidepressivos e ansiolíticos que se vendem num país carregado de sol e, supostamente, de gente simpática (será só para cativar turistas?). Claro que depois há os motivos económico-financeiros e problemas familiares. Quem pode viver feliz com a fortuna de um salário mínimo ou com um casamento em ruínas, um filho doente, um familiar no estrangeiro porque deixou de ser “piegas”?

Antes de vos deixar neste espaço, previsivelmente com encontro marcado em Setembro, pois todos precisamos de saudáveis férias uns dos outros, fica o desabafo de quem não se resigna com as pseudo-relações hoje existentes, de papel, daquele fininho que rompe à primeira brisa. Larguemos os ecrãs ao menos por um mês e olhemos em volta. Para lugares e pessoas. E sejamos menos duros nas avaliações que fazemos: os olhos dos outros reflectem as nossas próprias imperfeições. Se vos apetecer, pensem um bocado nisto. Sobretudo, olhem e vejam. Mas vejam mesmo. Se isto tiver sido um desabafo absolutamente intempestivo – levo-me muito pouco a sério para acreditar que assim seja –, ao menos que sirva como uma experiência traumática para diminuirmos a nossa dependência destas máquinas.

Boas férias a tod@s! A ver se voltamos mais humanos em Setembro…