Do pós-milagre às políticas públicas

A incapacidade de dotar as políticas públicas da qualidade necessária para a convergência real é a justificação estrutural para a nossa estagnação.

1. Lendo o que se escreve sobre Portugal na imprensa estrangeira, somos evidentemente um país de sucesso. Depois da saída limpa (2014-2015) amplamente elogiada por uns, tivemos o “major revival” em 2017, na expressão recente do New York Times. É verdade que os êxitos da economia portuguesa parecem depender ligeiramente do pendor ideológico dos jornais. Uns mais virados para a austeridade saudável, que levou ao crescimento de 2015 (1,8% então), outros mais apostados na quarta via, que produziu o milagre de 2017 (com os famosos 2,7%). Em todo o caso, as projeções mais contidas das várias instituições internacionais para 2018 e anos seguintes não parecem estragar a narrativa a ninguém. Como já tive oportunidade de comentar nesta coluna, estas projeções apontam para um crescimento medíocre e uma previsível estagnação, que nos deixará como um dos países mais pobres da UE no final da próxima década (enquanto medido pelo rendimento nacional per capita).

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1. Lendo o que se escreve sobre Portugal na imprensa estrangeira, somos evidentemente um país de sucesso. Depois da saída limpa (2014-2015) amplamente elogiada por uns, tivemos o “major revival” em 2017, na expressão recente do New York Times. É verdade que os êxitos da economia portuguesa parecem depender ligeiramente do pendor ideológico dos jornais. Uns mais virados para a austeridade saudável, que levou ao crescimento de 2015 (1,8% então), outros mais apostados na quarta via, que produziu o milagre de 2017 (com os famosos 2,7%). Em todo o caso, as projeções mais contidas das várias instituições internacionais para 2018 e anos seguintes não parecem estragar a narrativa a ninguém. Como já tive oportunidade de comentar nesta coluna, estas projeções apontam para um crescimento medíocre e uma previsível estagnação, que nos deixará como um dos países mais pobres da UE no final da próxima década (enquanto medido pelo rendimento nacional per capita).

Uma possibilidade é acreditar que as projeções estão erradas e que a economia portuguesa vai surpreender com um crescimento na casa dos 3%, depois de 2020. Nada é completamente impossível. Mas, sendo estatisticamente pouco provável, manda a prudência desconfiar desse otimismo. Consequentemente, o cenário mais expetável é outra década de estagnação, com uma economia anémica. Duas discussões emergem naturalmente. Uma conjuntural, sobre as responsabilidades partidárias e governamentais. Deixemos isso aos atores políticos e às colunas de opinião partidárias. Parece-me mais interessante, mas certamente menos excitante para as eleições que se avizinham, a discussão estrutural. Se Portugal é uma economia fundamentalmente estagnada entre 2000 e 2030, que razões podem explicar isso?

2. Quando anteriormente nesta coluna falei da nossa longa estagnação, limitei-me a excluir aquilo que parecem ser argumentos para desresponsabilizar o regime – “a herança do fascismo versus a herança do comunismo em termos de formação e educação, a periferia geográfica, as complexidades culturais e por aí fora.” Num artigo posterior, assinado por Luís Aguiar-Conraria (LAC), ele defende o atraso na educação (por comparação com os nossos parceiros comunitários, por exemplo) como a explicação mais relevante. Como tive oportunidade posterior de esclarecer, o que não me parece possível é que a taxa de analfabetismo em 1974 explique a estagnação económica 50 anos e cerca de 100 a 150 mil milhões de euros depois. Dito isto, é evidente que continuamos a ter um sério défice na educação e formação (as estatísticas disponibilizadas pelo LAC mostram isso mesmo), que condiciona a economia. Mas também é verdade que a progressiva substituição dos “analfabetos do fascismo” pelos “licenciados da democracia” na composição da população ativa não acelerou a convergência real, pelo contrário, coincidiu com a longa estagnação. Que, por sua vez, acontece com a nossa entrada no euro. Tudo isto não invalida a tese de LAC que a educação é uma restrição ativa, mas ilustra a complexidade de fatores para entender tão longo período de estagnação.

3. No seu artigo, LAC já cita outras causas – justiça, por exemplo. Podemos acrescentar (ausência de) regulação de mercados, organização do Estado, burocracia, impostos, legislação. Todos eles, na minha opinião, apontam para um problema mais geral – falta de qualidade das políticas públicas. Não quer isso dizer que não haja melhorias pontuais ou que o Estado tenha ignorado completamente o tema. Mas sejam quais for os progressos feitos na qualidade das políticas públicas, eles foram insuficientes para promover um crescimento sustentado. Por exemplo, o atual Governo melhorou a produção legislativa ao introduzir a avaliação de custos burocráticos e administrativos via o tradicional modelo SCM (“standard cost model”). E merece ser louvado por isso, porque levámos 20 anos (as primeiras reflexões sobre o SCM datam de 1998) e ninguém o fez antes. Mas isso não é “impact assessment” ou avaliação legislativa, como alguns insistem em propagandear. Significa que certamente se avançou, ainda bem que se avançou, mas com 20 anos de atraso, pelo que o impacto desse avanço tardio nas políticas públicas será inevitavelmente insuficiente por comparação com os nossos parceiros comunitários.

4. A incapacidade de dotar as políticas públicas da qualidade necessária para a convergência real torna-se, pois, a justificação estrutural para a nossa estagnação. Nasce logicamente outro debate – porque não somos capazes de fazer isso, quando outros fizeram? Aí volto à minha teoria das instituições extrativas e da democracia corporativa. A captura do Estado por grupos de interesse induz um desenho institucional fundamentalmente extrativo e pouco inclusivo, o que atrasa sistematicamente melhorias significativas na qualidade das políticas públicas. Metaforicamente, o comboio chega sempre atrasado à estação seguinte e nunca recupera do tempo perdido. E os restantes países não esperam pelo nosso “catch up”. Politicamente, como já se vai notando, o “otimismo que faz bem a Portugal” dilui-se pouco a pouco no “fez-se o que é possível”.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico