Só no fim da obra de Robles é que câmara respondeu à queixa de vizinho

Dono de edifício nas traseiras alegou que ia perder salubridade e que um troço da Muralha Fernandina podia estar em risco. Câmara demorou um ano a responder e não lhe deu razão.

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LUSA/ANTÓNIO PEDRO SANTOS

Já as obras no prédio de Ricardo Robles e da irmã em Alfama tinham começado quando um vizinho se queixou à Câmara de Lisboa de que a ampliação aprovada lhe ia tirar luz natural e poderia danificar o troço de Muralha Fernandina que ali existe. A autarquia demorou mais de um ano a responder e, quando o fez, já as obras estavam no fim.

O processo de reabilitação do prédio passou sem sobressaltos pelos serviços de Urbanismo da Câmara de Lisboa e foi aprovado no prazo relativamente curto de oito meses, em 2015. A reclamação do vizinho chegou à câmara em Julho de 2016 e a resposta só seguiu em Setembro de 2017.

Esses são os últimos documentos que constam do processo urbanístico sobre o imóvel da Rua Terreiro do Trigo, que o PÚBLICO consultou. A reclamação foi apresentada pelo proprietário do prédio situado nas traseiras do de Robles, chamado Alcaçarias do Mosteiro por nele existir, desde o século XII, uma fonte termal propriedade do Mosteiro de Alcobaça.

O vizinho queixa-se que a ampliação de um piso, conseguida com a transformação de um velho sótão em mansarda, tapa directamente cinco janelas, roubando-lhe vista para a rua e luz solar. Indirectamente são afectadas outras seis janelas nos pisos inferiores e um pequeno saguão que separa os dois prédios, que passam a receber ainda menos luz do sol.

Por outro lado, com o projecto aprovado na câmara, o edifício ampliado passa a ter um telhado de duas águas, uma virada ao Terreiro do Trigo e outra virada ao saguão das Alcaçarias do Mosteiro. Ora, alega o dono deste edifício, passa a cair mais água da chuva no saguão, que está construído por cima da Muralha Fernandina. “Poderá condenar o saguão das Alcaçarias a transformar-se num poço de água, profundo e escuro que impeça o seu acesso por vários períodos durante o ano e condene as paredes do piso térreo das Alcaçarias a infiltrações indesejadas que prejudicarão a estrutura de todo o edifício”, escreve o vizinho de Robles na reclamação enviada à câmara.

A autarquia responde em Setembro de 2017, com a obra no fim. As queixas motivaram duas acções: uma equipa de fiscalização urbanística foi ao local e não detectou “quaisquer incumprimentos” face ao projecto aprovado. A segunda démarche: como o vizinho desconfiava de que não teria havido um acompanhamento arqueológico prévio, a câmara mandou um email à Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) para confirmar. De lá veio a resposta de que sim, houve trabalho arqueológico antes e no decorrer das obras, como o PÚBLICO constatou no processo da DGPC.

Na resposta da Direcção Municipal do Urbanismo não há qualquer menção ao alerta sobre a água que pode cair no saguão das traseiras. Quanto à perda de luz solar (e, consequentemente, de salubridade), a autarquia não dá razão ao vizinho, sustentando-se na análise de um artigo do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU) sobre a disposição de janelas – o mesmo artigo 73.º que o queixoso invocara para contestar a ampliação.

Diz-se que o processo mais recente que existe na câmara sobre as Alcaçarias data de 1946 e que, nessa data, o edifício está todo ocupado por escritórios à excepção das águas furtadas. “Não existe qualquer elemento referente a pedidos referentes à alteração dos usos das fracções referidos, (…), sendo segura a interpretação segundo a qual o uso de ‘serviços’ é válido no 1.º e 2.º andares”, lê-se na resposta. “Neste sentido, e considerando que o RGEU (…) refere concretamente ‘as janelas dos compartimentos de habitação’, e dado que as janelas em causa não servem compartimentos de habitação, mas sim de escritórios, à situação em apreço não é aplicável esta disposição legal”, conclui-se.

Apesar de, genericamente, a câmara não dar razão ao dono das Alcaçarias em nenhuma das suas dúvidas, também admite que não sabia da existência do saguão até a reclamação aparecer.

Áreas das casas não mudaram

O processo de obras no prédio de Ricardo Robles e da irmã entrou na câmara a 20 de Março de 2015. Na memória descritiva do projecto, do arquitecto Pedro Maurício Borges, lê-se que “a ampliação visa rentabilizar o investimento com mais um piso de construção” e que “a fachada da rua beneficia com a ampliação em altura do edifício, corrigindo uma cércea significativamente mais baixa do que a média desta frente”.

Nesse documento também se diz que “as habitações apresentam interiores com compartimentos de áreas inferiores a nove metros quadrados, na sua maioria”. Por isso, explica-se, “mantendo-se os usos existentes e destinando-se os fogos ao mercado de arrendamento, procurou-se optimizar as áreas de estar recorrendo a kitchenettes para não criar mais uma divisão”. As áreas dos fogos já existentes mantêm-se mais ou menos inalterados entre os 27 e os 38 metros quadrados, as dos novos oscilam entre os 40 e os 45.

Aprovado pela DGPC em Abril de 2015 e pelo vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, em Junho do mesmo ano, o processo viria a ter aprovação finalíssima em Novembro, depois de entregues os projectos de especialidades. O alvará de obra foi emitido em Janeiro de 2016 e os trabalhos no local iniciaram-se pouco depois.

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