Queijos, fiambre e sopas à venda em Portugal têm 70% de sal a mais

Açúcar também ultrapassa valores recomendados em centenas de alimentos analisados pelo Instituto Ricardo Jorge. Especialistas estão preocupados com consumo excessivo entre as crianças. Redução terá de ser drástica para cumprir metas de alimentação saudável aprovadas pelo Governo até 2020.

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Instituto Ricardo Jorge analisou centenas de produtos. Açúcar em excesso também preocupa Margarida Basto

Os alimentos processados à venda em Portugal têm níveis de açúcar acima dos recomendados pelas autoridades de saúde e, relativamente ao sal, terão de sofrer um corte de 70% até 2020. A conclusão é de dois estudos do Departamento de Alimentação e Nutrição do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge que detectaram valores considerados preocupantes em todas as categorias de alimentos analisadas — tostas, sopas, fiambres e queijos, no que toca ao sal, mas também iogurtes e cereais de pequeno-almoço, relativamente ao açúcar.

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Os alimentos processados à venda em Portugal têm níveis de açúcar acima dos recomendados pelas autoridades de saúde e, relativamente ao sal, terão de sofrer um corte de 70% até 2020. A conclusão é de dois estudos do Departamento de Alimentação e Nutrição do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge que detectaram valores considerados preocupantes em todas as categorias de alimentos analisadas — tostas, sopas, fiambres e queijos, no que toca ao sal, mas também iogurtes e cereais de pequeno-almoço, relativamente ao açúcar.

Todos estes alimentos têm valores acima do recomendado pela Estratégia Integrada para a Promoção da Alimentação Saudável (EIPAS), um plano aprovado pelo Governo, e cujas metas devem ser cumpridas até 2020: cinco gramas de consumo diário de sal e 50 gramas de açúcar (25g para menores de idade).

Fiambres e queijos portugueses são dos mais salgados na Europa

Em Portugal, a quantidade de sal ingerida diariamente, em média, está 2,3 gramas acima do valor recomendado pela Organização Mundial de Saúde (cinco gramas) — sendo que 66% das mulheres e 86% dos homens consomem sal em excesso. Pão, tostas, produtos de charcutaria e sopas são os produtos alimentares que mais contribuem para esse consumo abusivo, indica o estudo.

Em relação às sopas prontas para consumo (ou seja, as sopas embaladas que estão à venda nos supermercados), no total das 382 ofertas consideradas, o teor de sal chega a atingir 2,05g por cada 100g. Só relativamente a este tipo de produtos, o programa governamental EIPAS vai obrigar a uma redução de sal na ordem dos 80% nos próximos dois anos, retirando em média 0,13g de sal por cada 100g de sopa. Ainda assim, e numa comparação com os valores detectados em alimentos comercializados noutros países europeus, Portugal até tem das sopas com teores de sal mais baixos à venda, a par da Irlanda.

Já nos fiambres (porco, frango e peru), é Portugal que lidera a lista de países europeus onde se encontra teores de sal mais elevados. O valor médio detectado pelo Instituto Ricardo Jorge é de 3,3 g/100 g, enquanto no Reino Unido os valores rondam os 0,5g/100g. Novamente, a redução de sal exigida pelo EIPAS terá de ser superior a 80% para atingir nos próximos dois anos os 0,3g/100g recomendados.

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O teor de sal no fiambre deveria ser de 0,3g/100g, mas os produtos analisados têm em média 3,3g/100g Ricardo Campos

O mesmo se passa com os queijos (flamengo, fresco, mozarela, creme, etc.). Dos 93 produtos estudados, apenas dois têm um teor de sal inferior aos 0,3g/100g de referência. E se em França a média de sal por produto de queijo ronda os 0,1g/100g, em Portugal o valor dispara para 2,6g/100g. Nos próximos dois anos, os queijos à venda em Portugal terão de ter menos 75% da quantidade de sal actual.

Nas 126 tostas (de cereais, normais e integrais) avaliadas, apenas duas cumprem os valores de referência. Até 2020, terá de haver uma redução de sal na ordem dos 70%.

Pedro Graça, director do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável da Direcção-Geral de Saúde (DGS), ressalva que não foram analisados todos os produtos existentes no mercado, e que os valores médios dos lotes avaliados podem não corresponder aos números relativos aos produtos que os portugueses consomem de facto. "Se fizesse uma média ponderada do que os portugueses comem, o risco da ingestão de sal era menor do que no estudo", admite o especialista em declarações ao PÚBLICO.

Crianças ingerem açúcar a mais

No que diz respeito ao açúcar, os investigadores avaliaram os cereais de pequeno-almoço e iogurtes disponíveis no mercado. Dos 122 iogurtes sólidos analisados, apenas 22 cumprem as recomendações definidas (5g/100g) pelo programa do Governo. O cenário é mais grave nos iogurtes líquidos — nenhum dos 45 produtos analisados respeita os valores (2,5g/100ml). Quanto aos 103 cereais de pequeno-almoço avaliados, apenas seis cumprem o valor recomendado de açúcar para aquele tipo de produto (5g/100g).

Tendo em conta que os cereais e os iogurtes são "alimentos frequentemente consumidos por crianças", o estudo aponta para a necessidade de intervir na indústria para que haja uma redução dos níveis de açúcar. Graça Raimundo, vice-presidente da direcção da Ordem dos Nutricionistas, acredita que deve haver uma “atenção especial por parte dos pais mas também das escolas” na selecção dos produtos consumidos. E realça que “o gosto se educa”, razão pela qual os pais devem ser mais “assertivos” na educação alimentar que dão aos filhos.

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Cereais de pequeno-almoço, que são especialmente consumidos por crianças, apresentam valores excessivos de açúcar DR

Também Pedro Graça lembra que é durante os primeiros anos de vida que as crianças desenvolvem o paladar e que são educadas a preferir os sabores salgados e doces. Consumos excessivos nestas idades podem estar associados, décadas mais tarde, ao aparecimento de doenças como a diabetes ou acidentes vasculares cerebrais.

"Essas patologias não são todas condicionadas, mas uma grande parte é. É condicionada pelo que os pais colocam na mesa dos seus filhos quando eles ainda não têm idade para decidir", defende o especialista. "Os pais pensam que estão a ser amigos ao dar um doce ou um salgado — mas o que estão a fazer é a condicionar o gosto da criança para o doce ou para o salgado, com consequências gravosas para o resto da vida."

O responsável da DGS ressalva contudo que o estudo do Instituto Ricardo Jorge não distingue entre o açúcar naturalmente presente nos alimentos e o açúcar adicionado no processo de fabrico, o que poderá distorcer alguns valores apresentados. Por exemplo, e no caso dos iogurtes, a lactose é um açúcar naturalmente presente a que se somam depois açúcares adicionados de forma indiferenciada. 

Um esforço da indústria e do consumidor

Para reduzir o consumo de açúcar e atingir os objectivos de 50 gramas diárias até 2020, Portugal tem avançado com algumas medidas, como é o caso da diminuição da quantidade de açúcar nos tradicionais pacotinhos disponibilizados nos cafés e restaurantes. Nos estabelecimentos das grandes superfícies, como num centro comercial, o Governo pretende reduzir os actuais oito gramas de açúcar por pacote para um máximo de quatro gramas até ao final de 2019.

Graça Raimundo põe a tónica na sensibilização do consumidor, o que passa por, entre outras medidas, aumentar a literacia relativamente aos rótulos dos produtos alimentares. Os produtos processados “devem ser consumidos em pequenas quantidades”, dando-se primazia a alimentos naturais – se bem que seja necessário haver cuidados na sua confecção caseira, não adicionando demasiado sal ou açúcar. Mas a nutricionista também atribui responsabilidades à indústria alimentar, que deverá reduzir gradualmente os níveis de sal e de açúcar dos seus produtos.

O trabalho junto da indústria alimentar já tem estado a ser desenvolvido, afirma Pedro Graça, mas de uma forma gradual, pois os "gostos e sabores não podem ser modificados de um momento para o outro". Se todos os anos se reduzisse "4% ou 5% do sal e do açúcar nos alimentos processados", ao "fim de quatro anos as reduções estariam na ordem dos 16% ou 20%", o que seria ideal, diz o especialista. Alguns países, como a Itália, estão já próximos dos valores recomendados pela Organização Mundial da Saúde, trabalhando há vários anos nesse sentido.

A má alimentação está entre os factores responsáveis por mais de metade das doenças crónicas registadas em Portugal. Desde vários tipos de cancro às doenças cardíacas, passando pelas diabetes e as desordens ósseas e musculares, os efeitos negativos de uma alimentação desequilibrada representam a principal causa de morte e de incapacidade no país.

Notícia actualizada às 12h15 de quarta-feira com esclarecimento sobre a percentagem de doenças crónicas resultantes da má alimentação e estilos de vida pouco saudáveis.