ONG “falharam de modo abjecto” na investigação de abusos sexuais

Relatório do Parlamento britânico diz que face a denúncias de abusos sexuais, organizações não-governamentais agiram com “complacência, quase cumplicidade”.

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Desde 2002 que as denúncias se multiplicam, mas nunca houve uma resposta remotamente adequada por parte das ONG, conclui uma investigação do Parlamento britânico ANDRES MARTINEZ CASARES/Reuters

As organizações internacionais de ajuda humanitária têm um problema endémico de abusos sexuais — em várias organizações, países e instituições. E de cada vez que há denúncias, estas são tratadas com “complacência, quase cumplicidade” relativamente aos abusadores. As vítimas, que já estão em situação de grande fragilidade, sendo mesmo “algumas das pessoas mais destituídas de poder do mundo”, são penalizadas. E os abusadores continuam a mover-se livremente.

Estas são algumas das conclusões do relatório de uma comissão parlamentar britânica criada depois das revelações de que um responsável da organização britânica Oxfam  tinha pago por sexo com mulheres enquanto estava na missão de assistência ao Haiti após o sismo de 2010. Soube-se depois que o mesmo homem esteve em missões de várias ONG – da Libéria ao Chade, passando pelo Bangladesh – onde havia também denúncias de festas com prostitutas, do uso de carros das ONG para transportar as mulheres, e ainda de ajuda humanitária a troco de sexo. 

E em alguns dos casos, as conclusões dos processos de averiguações internos não foram partilhadas com os organismos de supervisão, deixando assim as ONG que o contrataram de seguida sem qualquer conhecimento das acusações de que tinha sido alvo.

“Há uma cultura de negação”, disse o relatório, pedido na sequência deste escândalo envolvendo a Oxfam, mas que analisou todo o sector. A resposta a estas acusações têm sido “reactiva, circunscrita e vagarosa”, parecendo mais preocupadas com a sua reputação do que com as suas vítimas, acusou. As organizações têm reagido com “complacência, quase cumplicidade” às suspeitas. 

O relatório sugere a nomeação de um provedor independente que possa apoiar as vítimas de abusos e o estabelecimento de um registo de trabalhadores humanitários para impedir que suspeitos de abuso possam mudar de organização sem deixar rasto das suspeitas. Segundo uma investigação da Reuters, em 2017, mais de 120 funcionários de 20 organizações de ajuda ao desenvolvimento internacional foram despedidos ou afastados na sequência de comportamentos sexuais impróprios.

O relatório também critica as Nações Unidas: o organismo global nunca mostrou iniciativa na resposta a estes casos. O Governo britânico também teve sempre uma atitude “decepcionante”.

O presidente da comissão de inquérito, Stephen Twigg, classificou o falhanço do sector da ajuda ao desenvolvimento internacional como “abjecto”, “deixando as vítimas à mercê dos que tentam usar o seu poder para abusar de outros”. Mas “não interessa quão insuperável pareça esta tarefa, é preciso procurar soluções”, sublinhou, citado pela Reuters. “É preciso confrontar este horror.”

Twigg, deputado do Labour, disse ainda que as primeiras preocupações foram expressas em 2002 num relatório da Agência da ONU para os Refugiados e da organização britânica Save the Children. “Há tantos relatórios ao longo destes 16 anos e o sistema não teve uma resposta remotamente próxima de adequada durante este período”, declarou Twigg, citado pelo diário britânico The Guardian. Portanto, surpresa não é uma reacção apropriada, diz o relatório. “Mas indignação é.”

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