BE admite licença paga de 10 dias para vítimas de violência doméstica

Medida foi aprovada esta semana na Nova Zelândia e APAV gostaria de ver esta possibilidade transposta para a legislação portuguesa. BE admite analisar a possibilidade de avançar com proposta nesse sentido.

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APAV registou uma média de 14 vítimas de violência doméstica por dia, em 2017 Manuel Roberto

A possibilidade de as vítimas de violência doméstica usufruírem de uma licença paga de dez dias úteis para poderem deixar os parceiros, encontrar uma nova casa e reorganizarem o quotidiano de forma a protegerem-se e aos seus filhos, “faz todo o sentido no ordenamento jurídico português”. Assim, o Bloco de Esquerda (BE) admite, como adiantou ao PÚBLICO a deputada Sandra Cunha, “analisar essa possibilidade, alargando-a eventualmente a vítimas de outros tipos de crimes”.

Na passada quarta-feira, a Nova Zelândia aprovou uma lei que concede essa possibilidade. Com entrada em vigor prevista para Abril, a nova legislação estipula que qualquer pessoa que sofra de violência doméstica pode tirar até dez dias de licença paga, a qual se poderá somar a eventuais baixas médicas e às férias. As vítimas terão ainda direito a mudar o email profissional e a pedir a retirada dos seus contactos do site da empresa em que trabalham.

A Nova Zelândia tem das mais elevadas taxas de violência doméstica nos países desenvolvidos e, segundo a BBC, metade dos homicídios registados no país ocorrem num contexto de violência doméstica, com uma em cada três mulheres a declararem-se vítimas de abuso físico ou sexual por parte dos seus parceiros pelo menos uma vez.

A possibilidade de as vítimas poderem usufruir desta licença paga não é inédita. Nas Filipinas este direito está consagrado na lei desde 2004. E a adopção de uma medida semelhante também vem sendo discutida na Austrália.

E quanto a Portugal, onde, a crer nos números da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) relativos ao ano passado, 14 mulheres são vítimas de violência doméstica em média por dia? “A lei já prevê algumas medidas de protecção no emprego e no trabalho, nomeadamente quando estipula que as faltas no âmbito de processos de violência doméstica são justificadas, mas parece-nos que seria pertinente e razoável avançar para uma solução deste género”, reagiu a deputada Sandra Cunha, acrescentando que o BE “está disposto a analisar a possibilidade” de propor uma medida similar.

O presidente da APAV, João Lázaro, concorda e acrescenta que “dez dias são um prazo razoável para que a vítima possa tratar de toda a burocracia referente à mudança de casa, à inscrição de crianças numa nova escola...”. Para este responsável, a licença teria de ser devidamente monitorizada e fiscalizada porque “obviamente não poderia aplicar-se a actos menores de violência doméstica”.

Na Nova Zelândia, a votação foi renhida: 63 votos a favor e 57 votos contra, com os seus detractores a alegarem que, além de acarretar um custo significativo para as pequenas e médias empresas, a licença poderá dissuadir os empregadores de contratarem vítimas de violência doméstica. “Parece-me um argumento exagerado e fora do contexto”, critica Sandra Cunha.

“As pessoas não trazem nenhum letreiro que as aponte como vítimas e, por outro lado, uma empresa tem todo o interesse em ajudar uma vítima de violência doméstica a sair da situação em que se encontra, porque é sabido que estas pessoas são menos produtivas, ficam mais vezes doentes e recorrem mais aos serviços de saúde”, reage, por seu turno, Ilda Afonso, directora técnica de um centro de atendimento para vítimas de violência doméstica no Porto.

Nalguns dos casos que lhe passaram pelas mãos, Ilda Afonso diz ter sido necessário contactar as respectivas entidades patronais “pedindo-lhes que retirem os contactos das vítimas do site e que não os divulguem”, o que, na ausência de obrigatoriedade legal, está dependente da boa vontade da entidade patronal. “Todas as medidas que ajudem as mulheres a libertarem-se de um contexto de violência com dignidade são bem-vindas”, sintetiza, para explicar que, em Portugal, “há respostas de última linha, como as casas-abrigo que são importantíssimas, e agora existem os acolhimentos de emergência mas é preciso lembrarmo-nos que, muitas vezes, as vítimas saem de casa e quem fica com tudo, nomeadamente com o controlo da conta bancária conjunta, é o agressor”.

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