Embaraço no Bloco, um pedido de demissão à direita

Ricardo Robles disse aos jornalistas que tem a confiança política da direcção do BE, mas o partido ainda não se pronunciou oficialmente.

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Ricardo Robles deu conferência de imprensa na sede do Bloco de Esquerda António Cotrim/Lusa

O assunto é nitidamente embaraçoso para o Bloco de Esquerda e a solução é não atender o telefone ou recusar fazer comentários – e o mesmo acaba por acontecer com alguns socialistas contactados pelo PÚBLICO. Porque os casos que envolvem questões de “incoerência entre o discurso político e o que se faz na prática” são sempre difíceis de lidar, como descrevia alguém do PS. A voz de Ricardo Robles foi quase a única a ouvir-se até à hora de fecho desta edição, mas se a direcção do partido não divulgar qualquer nota antes, Catarina Martins há-de falar sobre o caso neste sábado de manhã, quando visitar o acampamento Liberdade, dos jovens do Bloco. O mesmo acampamento onde o vereador Ricardo Robles deveria ter feito uma intervenção nesta sexta-feira à tarde, sobre “Direito à habitação vs Gentrificação”, com a deputada Maria Manuel Rola, e à qual faltou para tratar da polémica.

O facto de fazer a declaração na sede do Bloco de Esquerda deixa desde antever que Ricardo Robles terá apoio do partido e que, por enquanto, não sairá da Câmara de Lisboa. Compare-se, por exemplo, com o caso do deputado à Assembleia da República pelo círculo da Madeira, Paulino Ascenção, que emitiu um comunicado a dizer que deixava o lugar, depois de se saber que pedia a devolução de parte do bilhete de avião que já era integralmente pago pelo Parlamento.

Aos jornalistas, Robles vincou que “toda a informação foi partilhada com o Bloco”. Foi o próprio vereador que defendeu perante a comissão política e a direcção do partido a sua disponibilidade para continuar no cargo por entender tem condições políticas para isso, soube o PÚBLICO. 

Até ao momento, o PSD foi o único partido a pedir abertamente a demissão de Robles da câmara, através da concelhia lisboeta. Um dos vereadores sociais-democratas na autarquia mostrou-se, no entanto, mais contido. “A nossa oposição não é a Robles, é a Fernando Medina. Um incidente com o vereador do Bloco não deixa de ter relevância política, mas não é central na nossa acção”, disse João Pedro Costa. Segundo o PÚBLICO conseguiu perceber, há dirigentes locais do partido que não estão tão dispostos a deixar cair o tema rapidamente e vão pedir explicações directamente ao presidente da câmara. A "exigência do PSD não tem qualquer base e apenas contribui para intoxicar a opinião pública", acusou Robles na sexta-feira.

O CDS também não pede demissões, pelo menos para já. “Importa saber o que Catarina Martin tem a dizer sobre esta matéria. Vamos aguardar a posição do próprio Bloco e depois tomaremos as nossas posições políticas”, afirmou o vereador João Gonçalves Pereira. “A questão aqui é moral, é a coerência entre aquilo que se diz e aquilo que se faz”, sublinha o centrista.

Não é a primeira vez que um alto dirigente do Bloco é confrontado com uma incoerência de peso entre o que defende politicamente e o que faz na sua vida privada. Na campanha eleitoral de 2009 ficou a saber-se que Francisco Louçã tinha investido 30 mil euros em Planos Poupança Reforma apesar de o partido defender o fim dos benefícios fiscais a este património financeiro. O então líder do BE defendeu-se dizendo que a sua posição contra aqueles produtos financeiros visava a “defesa do interesse público e não o interesse privado”.

O mesmo Louçã defendeu esta sexta o vereador lisboeta, destacando o arrendamento de uma casa do prédio de Robles por apenas 170 euros. "A verdadeira pergunta é esta: onde é que há contratos de 170 euros num prédio reabilitado em Alfama? Isto é uma forma de combater a especulação", disse o ex-dirigente do Bloco no espaço de comentário da SIC Notícias. "Ele protegeu essas pessoas", argumentou Francisco Louçã, que ainda assim reconheceu que 5,7 milhões é "um preço obviamente excessivo" para um imóvel. "O que importa mesmo é isto: os bairros históricos, em Lisboa, no Porto e noutras cidades, têm uma elevação de preços do arrendamento que torna impossível viver lá."

"Robles teve a sorte da sua vida, que foi o PSD pedir a sua demissão", considerou ainda. "É porquê? Porque a casa valorizou? Bom, a minha também e a sua também. É proque ele não despejou aquela família? Não há nenhuma justificação para este pedido de demissão. É um bocadinho, se quisermos, de silly  season. Quando o debate deixou de ser sobre a política e passou a ser sobre o pedido de demissão do PSD, o Ricardo Robles ganhou o dia."

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