Pyongyang entrega restos mortais de militares à espera de gesto de Washington

Trump agradeceu directamente a Kim. Decisão acalma tensão que se vinha a acumular desde a cimeira por causa da falta de progressos.

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Soldados transportam restos mortais de militares norte-americanos mortos durante a Guerra da Coreia Reuters/KIM HONG-JI

Depois de semanas de nervosismo e impaciência, a Coreia do Norte começou finalmente a dar sinais de progresso na sequência da cimeira de Singapura. Esta sexta-feira, o regime de Pyongyang devolveu restos mortais de militares norte-americanos mortos durante a Guerra da Coreia, recebendo agradecimentos do Presidente dos EUA, Donald Trump.

Mais de 50 caixões envolvidos em bandeiras das Nações Unidas chegaram a uma base aérea norte-americana na Coreia do Sul, confirmando o cumprimento por parte de Pyongyang de um dos pontos acordados entre Trump e o líder norte-coreano, Kim Jong-un, no encontro entre ambos em Junho. Os restos mortais terão ainda de ser cuidadosamente analisados num processo que poderá levar anos e as estimativas apontam para mais de cinco mil soldados cujos corpos estarão ainda no território norte-coreano.

Apesar de ser um gesto de forte simbolismo que incide sobre um conflito com mais de meio século, o seu impacto é sentido nos dias de hoje. Trump emitiu de imediato agradecimentos dirigidos directamente a Kim. “Obrigado, Kim Jong-un”, escreveu o Presidente norte-americano no Twitter. Apesar de não ter sido uma decisão inédita, há mais de dez anos que o regime não devolvia corpos de soldados aos EUA.

A entrega dos restos mortais, no dia em que se assinalava o 65.º aniversário da assinatura do armistício que pôs fim ao conflito coreano, é um indicador palpável que o processo de pacificação da Península Coreana está em curso. Dias antes, foi revelado que o regime norte-coreano tinha iniciado o desmantelamento de duas instalações utilizadas para o lançamento de mísseis balísticos.

Semanas de impaciência

Os dois progressos registados esta semana vêm retirar alguma da pressão que se vinha a acumular sobre as negociações entre Washington e Pyongyang desde a cimeira de 12 de Junho. A ausência de notícias que sinalizassem uma continuidade do ambiente de diálogo entre os dois países começou a causar alguma apreensão, especialmente após a visita falhada do secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, à Coreia do Norte, no início de Julho, durante a qual Kim Jong-un se recusou a recebê-lo – o Departamento de Estado nega que esse encontro estivesse agendado, mas vários diplomatas tinham-no confirmado à imprensa norte-americana.

Os dirigentes norte-coreanos acusaram Pompeo de ter aparecido em Pyongyang a fazer “exigências com uma postura de gangster” para que o regime apressasse a chamada “desnuclearização”. A convicção em Pyongyang é de que qualquer passo que dê nesse âmbito deve ser recompensado pelos EUA – o objectivo imediato é um alívio das sanções, mas a longo-prazo Kim quer uma normalização das relações com Washington.

Ao mesmo tempo, a imprensa norte-americana revelava que Trump se mostrava cada vez mais impaciente com a falta de progressos. Na semana passada, o Washington Post, citando várias fontes da Administração, dizia que desde a cimeira de Singapura que o Presidente pedia actualizações diárias sobre o dossier, especialmente sobre o regresso dos restos mortais de soldados, que o próprio tinha anunciado várias semanas antes de se concretizar.

Publicamente, Trump continuou a negar qualquer frustração com o desenvolvimento das negociações. Num tweet esta semana, o Presidente garantiu estar “muito contente” com o que tinha sido conseguido, justificando o sucesso com a ausência de qualquer teste norte-coreano nos últimos nove meses.

A entrega dos restos mortais dos soldados serve sobretudo como uma medida para vencer a falta de confiança entre a Coreia do Norte e os EUA, que partilham um longo historial de negociações fracassadas. Do ponto de vista de Pyongyang, já foram dados vários passos nesse sentido, incluindo a demolição do local de testes em Punggye-ri ainda antes da cimeira, o desmantelamento das instalações de lançamento de mísseis e a entrega dos corpos de soldados.

“O próximo passo”, escreve o especialista do Council on Foreign Relations, Scott Snyder, “iria envolver uma declaração de intenções por parte da Administração Trump para substituir o armistício por um regime de paz permanente”.

Porém, como prova de que essa desconfiança está longe de estar ultrapassada, há relatos de que o regime continua a produzir material físsil para armas nucleares, que o próprio Pompeo confirmou esta semana durante uma sessão de uma comissão no Senado.

Os avanços registados esta semana não devem fazer acelerar um processo que a generalidade dos analistas considera ser lento e pontuado por avanços e recuos, e que deverá potencialmente durar mais que o mandato de Donald Trump na Casa Branca. “O primeiro grande teste à seriedade da Coreia do Norte sobre a desnuclearização está ainda por vir”, escreve o analista do Center for a New American Security, Duyeon Kim. “A Administração Trump deve convencer Pyongyang a declarar as armas nucleares que possui e permitir a verificação do seu inventário”, nota.

Na mesma sessão no Senado, Pompeo definiu de forma sincera o princípio que define a abordagem da Administração Trump: “A diplomacia e o diálogo são preferíveis ao conflito e à hostilidade.”

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