Embalar o mundo e voltar atrás

Teremos de comprar e consumir com menos embalagens. E teremos provavelmente de exigir à indústria, à distribuição e aos poderes públicos que façam mais nesta matéria.

O mundo do marketing está hoje repleto de referências à reciclagem, ao verde, à economia circular... Dificilmente encontramos um produto que não seja amigo do ambiente, socialmente responsável, fantástico para os golfinhos e focas, amigo dos seus amigos e dos nossos euros.

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O mundo do marketing está hoje repleto de referências à reciclagem, ao verde, à economia circular... Dificilmente encontramos um produto que não seja amigo do ambiente, socialmente responsável, fantástico para os golfinhos e focas, amigo dos seus amigos e dos nossos euros.

No entanto, querendo ser objectivo neste tema, é impossível não ficar alarmado perante a manutenção do desperdício e da exaustão de recursos, desde logo pensando nas embalagens dos produtos que nos rodeiam. E logo a embalagem, que antes de ser um peso ambiental como o é hoje, foi uma conquista da Humanidade (e falo a sério). Permitiu a conservação e o transporte de produtos pelo Mundo e garantiu o seu acesso a milhões, a preços possíveis de pagar, designadamente no que diz respeito aos produtos alimentares. Ainda hoje em boa parte do mundo, infelizmente, o acesso a água potável em condições de segurança significa ter de comprar uma garrafa de plástico, o que é causador de demasiados resíduos evitáveis.

Nas últimas décadas, com o aumento do consumo, a generalização das embalagens e a competição das marcas pelos seus clientes, de que a embalagem é parte decisiva, aquela solução tornou-se um problema sério, que a reciclagem, sempre parcial, é incapaz de resolver de forma aceitável. Teremos de comprar e consumir com menos embalagens. E teremos provavelmente de exigir à indústria, à distribuição e aos poderes públicos que façam mais nesta matéria, que não pode ser deixada apenas à consciência e às opções individuais, sob pena de a dado momento já não ser possível voltar atrás.

Os custos ambientais, para a saúde pública, para a segurança alimentar e até para o turismo são cada vez mais evidentes. Nos últimos dias via-se na televisão imagens exóticas de praias nas Caraíbas submersas por um mar de resíduos, boa parte deles consistindo simplesmente em antigas embalagens de plástico. O sal que usamos nos alimentos está contaminado com micro-plásticos. Há ilhas pelo mundo em que a actividade de mergulho com garrafa é hoje justificada apenas pela curiosidade mórbida de ver um mundo submarino feito de plásticos, em alternativa aos corais e à demais fauna marinha...

E, efectivamente, o que pode justificar a dupla ou tripla embalagem de diversos produtos que encontramos à venda pelos supermercados? Ou a falta de alternativas “a granel” em tantas oportunidades? Mais tarde ou mais cedo – e cedo deveria ser – teremos de fomentar não apenas uma compra responsável, aquela que muitas vezes é ainda a mais cara, mais difícil ou a que exige pelo menos uma maior capacidade de escolha por parte do consumidor, mas fomentar especialmente uma oferta decente também do ponto de vista ambiental. Isso quer dizer infelizmente que enquanto leis e impostos não influenciarem a oferta da indústria, incluindo critérios das suas embalagens, dificilmente teremos outro estado de coisas que não seja uma ciclotimia suicida entre fundamentalismos verdes temporários e o mar de lixo a dar à costa.