Eucalipto, espécie invasora?

Em Portugal, uma decisão sobre o carácter invasor do eucalipto terá suporte científico ou os interesses financeiros sobrepor-se-ão?

Em 2009, o Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB) elaborou uma proposta para classificar o eucalipto como espécie invasora. Todavia, sem que fosse revelado o motivo, a proposta desapareceu. Em Portugal, uma decisão sobre o carácter invasor do eucalipto terá suporte científico ou os interesses financeiros sobrepor-se-ão?

De acordo com a lei, espécie invasora é aquela que é suscetível de, por si própria, ocupar o território de uma forma excessiva, em área ou em número de indivíduos, provocando uma modificação significativa nos ecossistemas. Os eucaliptos, a par das acácias e das háqueas, são espécies não indígenas (exóticas). Importa ter em atenção que as espécies não indígenas, com carácter invasor e já introduzidas na Natureza, terão de ser objeto de um plano nacional com vista ao seu controlo ou mesmo à sua erradicação.

O eucalipto ocupa cerca de 10% da superfície de Portugal, a maior área relativa de plantações de eucalipto a nível mundial.

No final de 2017, em Espanha, o Comité Científico do Ministério da Agricultura, Pesca, Alimentação e Meio Ambiente, por unanimidade, emitiu um parecer para a inclusão do eucalipto no Catálogo Espanhol de Espécies Exóticas Invasoras. Por cá, o mesmo foi defendido no Guia Prático para a Identificação de Plantas Invasoras em Portugal Continental, publicado pela Universidade de Coimbra.

Já em 2018, o Governo espanhol decidiu ignorar o parecer do seu Comité Científico. As plantações de eucalipto representam 3% da superfície florestal espanhola e 32% da madeira consumida pela indústria papeleira naquele país. Em Portugal estão razoavelmente bem identificadas as portas giratórias entre o exercício de cargos públicos, incluindo funções governamentais, e o exercício de cargos privados na indústria papeleira. Não será, pois, de estranhar que o desfecho registado em Espanha tenha semelhante resultado em Portugal. A iniciativa tomada em 2009 pelo então ICNB, rapidamente "desaparecida", aponta nesse sentido. A “fundamentação” financeira sobrepôs-se à fundamentação científica.

Em todo o caso, para além de uma fundamentação científica ou financeira, existe também a possibilidade de uma decisão judicial poder considerar uma espécie como invasora. Em Espanha, o Supremo Tribunal, em 2016, determinou que o E. nitens é espécie invasora e de elevada perigosidade.

A par do perigo inerente ao carácter invasor, no caso específico nacional, importa ainda ter em conta o carácter epidémico de dispersão da espécie no território. Com efeito, os dados do Inventário Florestal Nacional de 2005 (à falta de dados mais recentes) indicam que cerca de 80% destas plantações são submetidas a uma gestão de abandono. O facto tem vindo a fazer aumentar a presença das plantações de eucalipto na área ardida total e na área ardida em espaço florestal. No pós-incêndio não há já dúvidas quanto ao carácter invasor do eucalipto.

O regresso à discussão pública da classificação do eucalipto como espécie invasora é central para o ordenamento do território, para o combate aos incêndios florestais e para o aumento de perspectivas para uma floresta diversificada e rentável para os proprietários florestais, e não apenas para as celuloses.

Nota de esclarecimento: No passado dia 4 de Julho, o arquiteto paisagista Henrique Pereira dos Santos assinou neste jornal um artigo de opinião, "O Estado e o Eucalipto", acerca do livro Portugal em Chamas – Como Resgatar as Florestas, do qual sou co-autor com João Camargo. A tese do artigo de opinião é de que o livro é "tecnicamente muito mau". Para atacar a credibilidade do livro, além de abundante adjectivação, Pereira dos Santos utilizou como única referência uma frase truncada acerca de florestas, cortando-a a meio e descontextualizando-a. A frase original, como todos os capítulos do livro, tem por base extensa bibliografia consultada e referenciada. Nesse sentido, erguemo-nos sobre os ombros de gigantes, com a devida citação. As questões originais do livro podem e devem ser discutidas o novo regime de fogos, a epidemia de eucaliptos, a maior área relativa de eucalipto do mundo com o favor dos governos, aquilo que podemos fazer para mudar a situação e cá estamos para essa discussão. Mas para isso é preciso um mínimo de argumentos. Não se pode atacar a credibilidade técnica de um livro utilizando para isso uma frase que nem sequer existe no mesmo.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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