Paquistão vai a eleições em tensão máxima e com a sombra do Exército a pairar

Na antecâmara das eleições, o anterior primeiro-ministro Nawaz Sharif foi preso juntamente com a filha, os banhos de sangue sucedem-se e a legitimidade do processo eleitoral tem sido posta em causa por causa de uma suposta interferência dos poderosos militares.

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Eleições paquistanesas vão ter medidas de segurança nunca antes vistas Reuters/AKHTAR SOOMRO

No dia 13 de Julho um bombista suicida matou 150 pessoas num comício na cidade paquistanesa de Mastung, a 40 quilómetros da capital do Baluchistão, Quetta. Nesse mesmo dia, o antigo primeiro-ministro Nawaz  Sharif regressou ao país e foi preso, para cumprir a pena de dez anos de cadeia a que foi condenado por corrupção. 

A antiga glória do críquete paquistanês e principal favorito, Imran Khan, reagiu ao massacre em Quetta no Twitter: “Começo a pensar porque é que sempre que Nawaz Sharif está em apuros, há um aumento da tensão ao longo das fronteiras do Paquistão e um aumento dos ataques terroristas. É uma mera coincidência?”.

É neste ambiente, de sangue derramado, acusações mútuas e suspeitas de interferência dos poderosos militares no processo eleitoral, que o Paquistão, que existe há 71 anos, parte para a sua segunda transição de poder entre civis.

Legitimidade em causa?

Mais de cem milhões de paquistaneses vão às urnas nesta quarta-feira para escolher entre quase 12 mil candidatos. No final da semana passada, as autoridades eleitorais tomaram uma decisão radical: mais de 370 mil tropas vão ser mobilizadas em todo o país, o triplo do que nas eleições em 2013. E os militares ficam com autoridade de prender quem seja apanhado a cometer “práticas de corrupção” eleitoral.

Esta situação, apesar de ter como objectivo garantir a segurança, apenas aumentou a preocupação de dois dos três partidos em jogo e das organizações de direitos humanos.

A organização independente Comissão de Direitos Humanos do Paquistão já tinha afirmado anteriormente que existiam “amplos motivos para duvidar” da legitimidade das eleições e falara em “tentativas descaradas, agressivas e ousadas de manipular o resultado eleitoral”. Além disso, reafirmou "a percepção pública de que não foi dada a todos os partidos a igual liberdade para realizarem as suas campanhas eleitorais”.

E este tem sido o tema central em toda a campanha - as suspeitas de interferência do poderoso Exército, que liderou o país durante metade dos 71 anos, a favor do Movimento pela Justiça no Paquistão (TPI) para evitar que a Liga Muçulmana do Paquistão (PMLN), da família Sharif, mantenha o poder.

Sharif garante que o processo que o levou a si e à sua filha e herdeira política, Maryam Nawaz, à prisão, é obra dos militares, a quem os paquistaneses, juntamente com os serviços secretos (ISI), se costumam referir como o establishment.

Nawaz Sharif, que foi deposto do cargo de primeiro-ministro e cujo irmão, Shehbaz, passou a liderar o partido e é quem vai a eleições, garante que os militares têm detido militantes e dirigentes do PMLN, principalmente na cidade de Lahore, no Punjab, a província mais populosa do país, decisiva eleitoralmente, e que tem sido um bastião político para esta família.

Depois de um comício pró-Sharif nesta cidade, no início de Julho, as autoridades paquistanesas iniciaram uma investigação por terrorismo e abriram processos criminais contra 17 mil membros da Liga Muçulmana.

Nos últimos meses tem-se assistido a deserções nos partidos políticos em número recorde no Paquistão. De acordo com a Bloomberg, até ao início de Junho pelo menos 248 políticos deixaram os seus partidos para se alistarem noutro. Destes, 92 juntaram-se ao TPI, vindos na sua maioria do partido de Sharif. Na origem desta vaga, de acordo com a Liga, está a pressão dos militares.

Não se sabe, porém, até que ponto estas deserções podem ter real impacto eleitoral. “É preciso haver massa crítica nessas deserções, ou deserções de nomes sonantes, para haver um impacto real nas eleições”, disse à Bloomberg Michael Kugelman, do Centro Woodrow Wilson de Washintgon.

Shahid Khaqan Abbasi, próximo de Nawaz Sharif e que foi primeiro-ministro interino quando este foi deposto, desvaloriza toda esta situação: “A política paquistanesa tem como base os ‘vira-casaca’. Já vimos isto acontecer antes”.

Há também relatos de censura e intimidação a jornalistas para que o partido de Khan tivesse maior protagonismo durante o período de campanha.

Tanto Imran Khan como as lideranças militares têm negado recorrentemente qualquer ligação ou interferência eleitoral. Mas a verdade é que o TPI foi o único partido que se mostrou satisfeito com a forte presença militar nas eleições: “É suposto que [a Comissão Eleitoral] garanta eleições livres e justas e este passo caminha nessa direcção”, disse, citado pela Reuters, Naeem Ul Haq, porta-voz do partido.

Desafios do futuro

No meio deste combate entre os Sharif e Imran Khan está o Partido Popular do Paquistão (PPP), dirigido por Bilawal Bhutto Zardari. No entanto, o candidato, que é filho da antiga primeira-ministra Benazir  Bhutto, assassinada em 2007, deverá contar pouco. A luta é mesmo entre Sharif e Khan, que surgem em primeiro lugar e empatados nas sondagens.

Qualquer que seja o vencedor, o trabalho não se avizinha fácil. O fraco desempenho da economia, que é a segunda maior do Sul da Ásia, gera cada vez maior preocupação, o défice é cada vez maior e aproxima-se mais uma intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI), a 12.ª desde os anos 1980, para o país conseguir cumprir os seus compromissos financeiros que assumiu com os credores internacionais.

Não se prevêem grandes melhorias destes dados mesmo com a aproximação de Islamabad à China, que tem dado frutos financeiros – Pequin acaba de emprestar ao Paquistão mil milhões de dólares e tem aumentado os seus investimentos no país.

O próximo governo terá também de se concentrar nas relações externas, que sofreram algumas alterações numa arquitectura que estava em vigor há décadas. Nomeadamente, se pretende manter esta aproximação à China e também à Rússia, um velho inimigo que gradualmente se tornou um aliado com a chegada de Donald Trump à Casa Branca.

Trump tem acusado Islamabad de pouco ou nada fazer para travar os taliban no seu território, de onde partem muitas dos ataques no Afeganistão. Com esse argumento, o Presidente norte-americano congelou a assistência militar financeira que rendeu a Islamabad milhares de milhões de dólares ao longo dos últimos 15 anos.

A segurança, com a presença activa do Daesh e dos taliban, e os recorrentes sangrentos atentados que geram ainda maior instabilidade social, tem sido uma dor de cabeça constante. E a resolução do problema parece longe.

Além disso, é preciso não esquecer as históricas e eternas tensões com a vizinha Índia, cuja disputa relativamente à linha de demarcação que divide Caxemira, já provocou banhos de sangue no passado.

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