Um novo SAAL, já!

No rescaldo dos fogos, as imagens das construções em ruínas mostram-nos um Portugal informal e grosseiro

Há cerca de um ano mais de 5% do território ardeu e, com este, mais de 1000 fogos e 500 pequenas indústrias ficaram reduzidas a cinzas. Num passado não tão distante, houve a capacidade de uma iniciativa consertada como aquela que Nuno Portas tomou entre 1974-1975, então secretário de Estado da Habitação e Urbanismo, ao criar o SAAL (Serviço de Apoio Ambulatório Local). Este imenso programa de habitação pública tinha também um carácter de emergência que passava pelo realojamento de largas franjas da população urbana que vivia em condições desumanas, quer nos centros históricos, quer nas periferias industriais. Em tempos conturbados e de grande escassez, foi então possível mobilizar e federar equipas multidisciplinares de arquitectos, engenheiros, paisagistas, geógrafos e sociólogos que, num curto espaço de tempo, responderam com projectos concretos a situações extremamente fragmentadas e disfuncionais. O SAAL permanece um case-study internacional de acupunctura urbana e de habitação social. 

No actual contexto, e numa época em que se abandonou a habitação social à engenharia financeira das parcerias público-privadas, gostaria de convocar aqui a memória desse programa público, para socialmente conseguirmos responder a esta calamidade de uma forma não menos qualificada. No rescaldo dos fogos, as imagens das construções em ruínas mostram-nos um Portugal informal e grosseiro, em larga medida auto-construído pelas populações, sem projecto, ou, na melhor das hipóteses, feito com recurso a engenheiros e desenhadores técnicos. Hoje, reconstruir esses fogos sem questionar a sua articulação, eficiência e funcionalidade é perpetuar esse modelo de desenvolvimento indesejável. As chamadas “casas de imigrante” dispersas em cada encosta, o caos de armazéns metálicos implantados sem qualquer racional, associados à monotonia do eucalipto, deformaram a paisagem da Região Centro a um ponto de quase irreversibilidade. Sem prejuízo do horror que representa a calamidade vivida pelas populações, a verdade é que se criou uma oportunidade única para recuperar esta paisagem, não apenas do ponto de vista silvícola, mas também do urbano e construído.

Existem obviamente situações tipificáveis e para as quais, por uma questão de eficácia e rapidez, se poderia recorrer a sistemas de prefabricação, quer no caso de grandes conjuntos de novos fogos, quer no caso de pequenas naves industriais. No primeiro caso, e mesmo no respeito pela propriedade privada, deveria ser feito um esforço para concentrar as populações através de negociação e expropriação, criando-se novas aldeias ou ampliando as já existentes, já que um dos maiores problemas no combate aos incêndios foi a dispersão urbana. Existem outro tipo de situações igualmente delicadas e que envolvem a recuperação de construções em pedra, adobe e madeira de grande autenticidade no contexto da nossa Arquitectura Popular, e que exigem trabalho, tempo e um grande esforço de projecto. E neste caso, sem uma reabilitação cuidadosa destas construções, perde-se para sempre o importante património histórico e cultural que caracteriza estas regiões.

No final, o que importa saber é qual a estratégia do Governo para a reconstrução. Que modelo para o desenvolvimento? Que visão para a paisagem? Para lá dos anúncios mais ou menos propagandistas, ceder ao facilitismo e a interesses locais e particulares ou à reconstrução rápida e desqualificada será lamentável, apesar das parangonas eleitorais de obra feita. A coragem de Nuno Portas e do seu SAAL deveriam inspirar-nos a fazer igual ou melhor.

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