União Europeia “falhou reiteradamente” com os refugiados e migrantes

O atraso da União Europeia na resposta à crise de refugiados abriu a porta aos populistas que começaram a capitalizar “em cima do medo”. A solução, para Gonçalo Saraiva Matias, director de estudos da FFMS, terá de passar pela criação de uma agência europeia para as migrações.

Foto
Nuno Ferreira Santos

Defende que a União Europeia devia criar uma agência para as migrações. Como é que isso se coaduna com um contexto marcado por uma cedência cada vez mais evidente à tentação de fechar as fronteiras?

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Defende que a União Europeia devia criar uma agência para as migrações. Como é que isso se coaduna com um contexto marcado por uma cedência cada vez mais evidente à tentação de fechar as fronteiras?

Boa parte da responsabilidade do que está a acontecer na União Europeia e do crescimento dos populismos tem a ver com a incapacidade que a União Europeia revelou num primeiro momento. O boom da crise migratória, e estamos a falar sobretudo de refugiados, deu-se em 2015 com um milhão de entradas. Antes disso, o tema das migrações estava em cima da mesa mas sem a dimensão que veio a ter depois. É preciso recordar que, quando começaram a morrer pessoas no Mediterrâneo, não havia um programa da União Europeia para resgatar essas pessoas. Foi a Itália, através do programa Mare Nostrum, que as foi resgatar ao mar. Só muito mais tarde é que a União Europeia acordou e deu recursos à Frontex [agência europeia] para ir salvar vidas no Mediterrâneo. Quando entraram um milhão de pessoas na Grécia e em Itália, não havia recursos na linha da frente para receber essas pessoas, fazer entrevistas, triagens e recolocações. A Itália e a Grécia foram deixadas sozinhas a fazer isso. Essas pessoas entraram na União Europeia e provocaram o medo e o pânico gerais que entretanto se verificaram. E isso teve muito a ver com esse atraso na resposta. Em 2015, a União Europeia decidiu recolocar 160 mil refugiados do milhão que tinha entrado. Passado um ano, estavam recolocados menos de 4%. Neste momento, estão recolocados menos de 35 mil. Portanto, há um falhanço total das políticas da União Europeia. Que provocou este pânico, o qual, por sua vez, provocou a ascensão dos populismos. E nós neste momento estamos capturados por eles. Neste momento, quem está a trazer o tema das migrações para cima da mesa não são os países moderados, são os líderes populistas. E a crise migratória de que se fala agora não tem correspondência nos números porque as entradas são historicamente baixas, quando comparadas com a crise de 2015. E então por que é que o tema está em cima da mesa? Porque interessa aos populistas capitalizar eleitoralmente em cima destes temas. Ou seja, nós permitimos, com o falhanço reiterado da União Europeia, que o medo se instalasse quanto a esta questão e que os populistas pudessem capitalizar em cima do medo. Não sei como é que saímos disto mas parece-me que agências europeias para as migrações, envio de recursos para a linha da frente, tratar o problema como um problema conjunto podem ser a solução. A solução não é pagar à Turquia para reter os três milhões e meio de sírios que lá estão nos campos de refugiados.

Até porque isto acontece num contexto em que a União Europeia vem perdendo protagonismo no panorama mundial.

Claro. Veja que agora houve uma proposta para abrir plataformas de desembarque no Norte de África, também altamente controversa, e não há um só país do Norte de África que aceite. Isto mostra a falta de autoridade e de capacidade de influência da União Europeia.