Um historiador panfletário

Foi isto que foi votado no Parlamento Europeu e foi isto que eu aprovei. Onde está, afinal, a censura para tudo o que se põe na net?

Num artigo intitulado "O Pinto que nos quer cortar o pio" (PÚBLICO de 22 de junho), Rui Tavares (R.T.) acusou-me de ter votado favoravelmente, na Comissão JURI do Parlamento Europeu, uma versão do artigo 13.º da diretiva sobre Direitos de Autor no Mercado Único Digital que estabelece "um método de censura prévia automática para tudo aquilo que pomos na net".

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Num artigo intitulado "O Pinto que nos quer cortar o pio" (PÚBLICO de 22 de junho), Rui Tavares (R.T.) acusou-me de ter votado favoravelmente, na Comissão JURI do Parlamento Europeu, uma versão do artigo 13.º da diretiva sobre Direitos de Autor no Mercado Único Digital que estabelece "um método de censura prévia automática para tudo aquilo que pomos na net".

Instado por mim (PÚBLICO de 29 de junho) a indicar a parte do corpo do artigo 13.º em que se baseara para fazer essa acusação, R.T. veio (PÚBLICO de 6 de julho) afirmar: "É onde diz que as plataformas digitais devem ‘adotar medidas (...) que impeçam a colocação à disposição nos seus serviços de obras ou outro material protegido identificados pelos titulares de direitos através da cooperação com os prestadores de serviços’ ou, na versão da comissão JURI do PE que Marinho e Pinto aprovou: ‘medidas que levem à não-disponibilização’ dos mesmos conteúdos."

Como se vê, R.T. apresentou uma versão que não foi aprovada na JURI e misturou-a dolosamente com uma frase da versão aprovada para confundir quem o lê e assim tentar fazer crer que medidas "adequadas e proporcionadas" para proteger direitos legítimos (apoiadas, aliás, por Estados onde a democracia e a liberdade de expressão estão mais enraizadas, como o Reino Unido, a França, a Itália, a Suécia, a Áustria, a Dinamarca e o Luxemburgo) significam "o estabelecimento de um método de censura prévia automática para tudo aquilo que pomos na net".

Vamos à verdade! A versão aprovada do artigo 13.º diz que os prestadores de serviços de partilha de conteúdos online "devem celebrar acordos de licenciamento justos e apropriados com os titulares de direitos" e que, na ausência desses acordos, "devem tomar, em cooperação com os titulares de direitos, medidas adequadas e proporcionadas conducentes à indisponibilidade de obras que violem direitos de autor ou direitos conexos nesses serviços, enquanto que outras obras ou matérias não infratoras permanecerão disponíveis".

Diz também que "os Estados-membros asseguram que a aplicação dessas medidas seja proporcionada e estabeleça um equilíbrio entre os direitos fundamentais dos utilizadores e dos titulares de direitos e (...) não imponha uma obrigação geral aos prestadores de serviços de partilha de conteúdos online de monitorizar as informações que transmitem ou armazenam".

Estatui ainda que "a fim de evitar utilizações indevidas ou limitações ao exercício de exceções e limitações à legislação em matéria de direitos de autor, os Estados-membros devem assegurar que os prestadores de serviços referidos no n.º 1 instaurem mecanismos eficazes e rápidos de reclamação e reparação que estejam à disposição dos utilizadores em caso de litígio na aplicação das medidas referidas no n.º 1".

Estabelece que "qualquer queixa apresentada ao abrigo desses mecanismos deve ser tramitada sem demora injustificada" e que "os Estados-membros devem assegurar igualmente que, no contexto da aplicação das medidas acima referidas, os utilizadores tenham acesso a um tribunal ou a outra autoridade judicial competente para fazer valer uma exceção ou limitação das regras de direitos de autor".

Finalmente, prescreve que "os Estados-membros devem facilitar, quando necessário, a melhor cooperação entre os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha, os utilizadores e os titulares de direitos, através de diálogo com os interessados, para definir as melhores práticas para a aplicação das medidas referidas no n.º 1, de modo proporcionado e eficiente, tendo em conta, entre outros, a natureza dos serviços, a disponibilidade de tecnologias e a sua eficácia à luz da evolução tecnológica".  

Foi isto que foi votado e aprovado por mim na Comissão JURI. Onde está, afinal, a imposição da censura para tudo o que se põe na net?

Ao persistir na mentira, R.T. revela que não é capaz de reconhecer que errou – mesmo quando a evidência dos factos o mostra tão eloquentemente. Em vez disso, tenta, como um vulgar panfletário, deformar a realidade para que ela se adapte às suas patranhas.

Pela forma como agiu e reagiu em toda esta questão, R.T. trouxe-me à memória aquele personagem queirosiano a quem Carlos da Maia prometeu umas bengaladas pelas orelhas a baixo em pleno Chiado. Infelizmente, a lei não permite, hoje, esses atos de pedagogia cívica. Por isso, Rui Tavares, siga em frente, não desista, que você vai longe! Muito longe e alto!

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico