Honestidade, esquerda e direita

A honestidade intelectual de cada um obrigará a que se não seja indiferente à sorte de dois milhões de portugueses na pobreza.

Apesar da sua lonjura no tempo, a honestidade é um valor que perdura até aos nossos dias. Implica uma conduta marcada pela justiça, pela retidão e pelo respeito pelos bens alheios públicos ou privados, entre outros valores. Desde os tempos antigos que os valores políticos, religiosos, morais assimilaram a honestidade como um comportamento a seguir, mantendo atualidade acrescida face ao incentivo ao enriquecimento a qualquer preço que conduz à corrupção e a outros flagelos sociais.

A honestidade intelectual de cada um obrigará a que se não seja indiferente à sorte de dois milhões de portugueses na pobreza, impondo opções políticas capazes de transformar a situação no sentido de conferir a todos uma vida minimamente decente. Não é aceitável que haja uma espécie de destino que torna a pobreza inevitável; outra coisa é a diferenciação social, essa sim inevitável e de certo modo louvável por privilegiar os mais capazes e trabalhadores.

A ideia da pobreza como inultrapassável vai bater direitinha às políticas de Trump, libertando os multibilionários de impostos e diminuindo drasticamente as despesas sociais. Esta ideia trumpiana assenta no facto de que quanto mais ricos forem os ricos, mais ganham os pobres pelo facto de a riqueza escorrer algo de cima da pirâmide social para os de baixo.

A conceção que defende a igualdade de oportunidades, a justiça social, serviços públicos de qualidade para a população, solidariedade social representa, em termos gerais, a esquerda, enquanto herdeira das transformações operadas desde o esclavagismo, o feudalismo, o colonialismo, o absolutismo até à resistência à vaga neoliberal que varre e desregula o mundo.

Sem as transformações revolucionárias que permitiram alcançar diversos “céus” terrenos não haveria eleições livres, nem direitos humanos, nem liberdade, nem igualdade entre sexos, entre muitas outras conquistas maiores da nossa civilização.

Foi a revolução de abril que escancarou as portas da liberdade, apesar de muito boa gente na altura a combater por ser um golpe de Estado para impedir a outra revolução, a tal que era a sério e colocaria o proletariado no poder seguindo os ensinamentos do camarada Arnaldo.

Ser honesto consigo próprio impõe opções consentâneas com a consciência de valores altruístas.

É, por isso, que mulheres e homens justos nunca baixarão os braços face à pobreza, enriquecendo o património da esquerda, sem deixar de reconhecer que pode haver gente conservadora que não aceite a pobreza como inevitável.

Outros, em geral de direita, achá-la-ão inevitável para que o país seja competitivo e venham os sugadores de lucros aproveitar privatizações de bens do setor público ao desbarato e prosseguir reformas flexíveis infindáveis quanto às leis laborais.

Neste sentido, a direita é uma força de bloqueio à igualdade de oportunidades, à solidariedade, ao funcionamento de serviços públicos de qualidade.

A cupidez e a ganância desta minoria de multibilionários levou-os a “ter” à sua mercê representantes políticos a vários níveis para deitarem a mão aos bens públicos ou alheios. Muitos deles foram gerados no chamado arco da governação, ou seja, dignitários dos mesmos partidos aninhados aos grandes interesses económicos, recebendo os seus favores em offshores à escolha.

Podem até afirmar-se de esquerda, como o caso de José Sócrates, mas as políticas são de direita, serventuárias dos grandes interesses económicos e financeiros. Não é preciso ser detetive. É nessa onda que navega a grande corrupção.

O que não significa que a esquerda está imune a este flagelo. Nem de perto nem de longe. O poder corrompe.

Sem dúvida que haverá na direita gente honesta. O que não a impede de ser de direita.

A ideia que não há esquerda e direita é de certo modo o cântico da direita. Só há um caminho e daí a irrelevância das nossas escolhas. É o caminho de obediência aos mercados. É a direita em todo o seu esplendor. Morreríamos cívica e devidamente anestesiados se esta ideia fosse para diante.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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