Quando eles se vão embora

Para quem ficou, não há nada que os distraia, a vida é a mesma, mas pior, mais triste, sem os filhos e as filhas tão amados, como num castigo onde não basta envelhecer, mas envelhecer sós.

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Chuttersnap/Unsplash

Contando os anos cá fora já não nos chegam as mãos, temos de contar também com os pés: 11. Nestes 11 anos, levámos três para nos habituarmos a viver cá fora, três anos para perceber como regressar a Portugal não era mais uma opção e continuar a construir uma vida aqui. O único caminho possível, a única janela, a única porta aberta, a única estrada. 

E como uma estrada basta (o pior foi encontrá-la), por aqui continuamos.

O tempo passa, o tempo passou, continua a passar, e nós também continuamos a passar cada vez mais tempo longe de casa, numa outra casa, entre outros amigos, uma nova família numa outra vida e, contra todas as expectativas, incluindo as nossas, já não sentimos mais aquela ânsia de voltar a casa ao fim de mais um ano de trabalho. 

Não por não querermos voltar, queremos, e estamos contentes, mas já não temos tanta pressa, estamos mais velhos, mais calmos, mais cansados, e plenamente conscientes de que as férias são isso mesmo, férias, feitas para descansar e não para colmatar uma ausência de 11 meses, como se fosse nossa a culpa de um dia termos ido embora.

No entanto, para quem ficou, os últimos 11 anos serão iguais aos próximos 11, anos onde a nossa ausência tornou a vida mais pobre, vazia, onde um quarto e uma casa ficaram por habitar, onde conversas ficaram por acontecer e os momentos por partilhar. 

Para quem ficou, entre pais, irmãos e irmãs, o Verão continua a ser a única altura do ano onde num mês se compensam os outros 11 meses de distância e até para o ano que a saudade já aperta.

Para quem ficou, não há nada que os distraia, a vida é a mesma, mas pior, mais triste, sem os filhos e as filhas tão amados, como num castigo onde não basta envelhecer, mas envelhecer sós.

Por isso, as minhas desculpas desde já por nos termos cansado da saudade, a mesma saudade que não só nunca vos abandonou como persiste, e se aqui nos levou três anos, a verdade é que temos tido com que nos distrair, a começar desde logo pelos empregos há tanto procurados e onde passamos metade da vida para não termos de pensar no mar, na praia e no calor, nos pais e nas mães, nos irmãos e nas irmãs. 

Daqui a 24 horas estaremos de volta a Portugal. E não, ainda não é desta que vamos por Vilar Formoso enquanto GNR nos cumprimenta para cima e para baixo e o indicador manda seguir em segurança, boa viagem. 

Porque, e até prova em contrário, de avião é mais rápido, vemo-nos em breve no aeroporto onde um areal de cabelos brancos aguarda impacientemente a chegada deste mar de filhos e netos para mais um longo abraço e as lágrimas quentes de quem está há demasiado tempo à espera.

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