Feminismo, amor e violência na “super plural” mostra de cinema negro da Cova da Moura

Festival traz ao bairro do concelho da Amadora sobretudo produção que não chega às salas comerciais. Filmes conhecidos como I'm Not Your Negro e desconhecidos dos portugueses como Branco Sai, Preto Fica são mostrados ao ar livre.

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Branco Sai, Preto Fica deu a Adirley Queirós o Grande Prémio do Cinema Brasileiro para melhor argumento original

Não há apenas uma temática. Há, sim, a vontade de dar “visibilidade a uma produção super plural, que é o cinema negro mundial”. Por isso, cada dia da Mostra Internacional de Cinema na Cova da Moura: África e suas Diásporas, que esta terça-feira começa naquele bairro do concelho da Amadora, está voltado para um assunto que irá estar presente nos filmes mostrados nesse dia, explica Maíra Zenun, fundadora do evento que vai na 3ª edição

Organizada pelo Colectivo Nêga Filmes & Produções, em parceria com a Associação Cultural Moinho da Juventude, a mostra – que acontece todos os dias entre 24 e 28 de Julho, às 21h, na Rua do Outeiro – tem curadoria de Flávio Almada, membro da direcção do Moinho da Juventude. 

“Vamos falar de amor, de sororidade entre mulheres negras, de feminismo negro e da necessidade de discutirmos as violências físicas simbólicas e psicológicas que afectam as mulheres negras, mesmo dentro de suas casas, todos os dias”, diz a curadora.

Querem “dar visibilidade a uma produção audiovisual que não alcança as salas comerciais de cinema em Portugal, realizada por cineastas negras e negros da contemporaneidade, tanto de África, quanto das diásporas”. O objectivo é “disponibilizar este cinema à população que vive e frequenta a Cova da Moura, bairro cuja população é maioritariamente negra”, isto para “estimular a produção de novos filmes e mais debates”. 

Assim, no primeiro dia da Mostra, por exemplo, que será centrado numa noite de curtas-metragens, só passam “filmes realizados por mulheres negras” – em cima da mesa estará uma conversa com a historiadora Joacine Katar Moreira sobre mulheres e feminismo. Isto depois de serem exibidas as curtas Teresa, de Lilih Curi, sobre uma mulher que, “esquecida pelo seu grande amor, resolve queimar o seu passado”, FotogrÁfrica, de Tila Chitunda, incursão no percurso de uma filha que vai em busca da história da mãe, refugiada de guerra angolana; Caixa D'Água, de Everlane Moraes, retratos da comunidade quilombola urbana do Brasil, Privilégios, documentário de Rosa Miranda que aborda os privilégios sociais e faz uma reflexão sobre as dinâmicas de género, raça e classe social ou Tia Ciata, um documentário e ficção sobre o protagonismo feminino negro através da personagem popular Tia Ciata, líder comunitária que teve um papel importante no desenvolvimento do samba, realizado por Mariana Campos e Raquel Beatriz, e Eu Sou Crioula, um documentário de Cristina Isabel Mendes Cabral sobre a sua origem.

Na quarta-feira o ciclo prossegue sob o signo dos processos de descolonização, em que será exibido o documentário sobre a independência de Angola chamado justamente Independência, realizado por Mário Bastos, seguido de conversa com a fotógrafa Zosia Yala.

O ciclo aborda ainda violência policial e resistência, motivo para reflectir sobre o actual julgamento dos agentes da PSP da Esquadra de Alfragide acusados de tortura, racismo, diz Maíra Zenun. Isso será na quinta-feira, com Zumbi somos nós, que aborda questões raciais e racismo no Brasil, dirigido pelo grupo de pesquisa Frente 3 de Fevereiro, e Branco Sai, Preto Fica, história que tem como motor os tiros num baile de música negra em Brasília em dois homens ficam feridos e deu a Adirley Queirós o Grande Prémio do Cinema Brasileiro para melhor argumento original. Aqui a conversa será dirigida pela socióloga Cristina Roldão.

Na sexta-feira é dia de abordar temas como amor e arte a propósito de Café com Canela, realização de Glenda Nicácio e Ary Rosa, sobre um mãe que se isola depois de perder um filho mas que um dia recebe a visita de uma antiga aluna – a activista Lúcia Furtado e a professora Ariana Furtado dirigem o debate. A mostra fecha no sábado com a exibição de I'm not your Negro, de Raoul Peck, a partir do livro inacabado de James Baldwin, um olhar incisivo e actual sobre as questões raciais contemporâneas, com conversa mediada por LBC Soldjah, aka Flávio Almada.

Este é um dos programas do Kova M, festival cultural que nasceu em 2012 também organizado pelo Moinho da Juventude, e que este ano, durante a tarde e noite, terá vários workshops (desde salsa a arte urbana), torneios de futsal e concertos – sobretudo na sexta-feira e sábado – com o grupo de Batuque Finka Pé ou a actuação do grupo de dança Wonderfulls Kova M no palco.

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