Paulo Ribeiro demite-se porque “falta dinheiro e falta vontade política para levar a CNB para a frente”

Coreógrafo deixa direcção artística com 2019 já programado. Sofia Campos, até aqui na administração do D. Maria II, vai substituí-lo a partir de 1 de Setembro. E deverá fazê-lo já a contar com um corte substancial no mecenato da EDP.

Romulus Neagu, Teatro Camões, Balé Nacional de Portugal, Théâtre national de Chaillot
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Paulo Ribeiro PÚBLICO
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Sofia Campos Estelle Valente

Paulo Ribeiro demitiu-se da direcção artística da Companhia Nacional de Bailado (CNB), cargo que deveria ocupar até Novembro do próximo ano. Na base da decisão, anunciada esta segunda-feira de manhã pelo Ministério da Cultura, estão as condições financeiras que tem à disposição para programar a temporada e a vida desta formação, confirmou o coreógrafo ao PÚBLICO.

Para o lugar de Paulo Ribeiro, que deixa já pronta a executar a temporada do próximo ano e até negociados os primeiros espectáculos de 2020, entrará a partir de 1 de Setembro Sofia Campos, até aqui vogal do conselho de administração do Teatro Nacional D. Maria II.

No comunicado em que dá conta da saída de Paulo Ribeiro, o ministério de Luís Filipe Castro Mendes diz apenas que na origem da tomada de posição do coreógrafo está uma "decisão pessoal".

“Não podia decidir de outra maneira se queria respeitar o projecto que pensei para a companhia quando aceitei a direcção”, garantiu Paulo Ribeiro ao PÚBLICO. “Senti que estava sozinho. Falta dinheiro e falta vontade política para levar a CNB para a frente. Falta fazer dela uma prioridade.”

O coreógrafo programou a temporada 2017/2018 com um orçamento de 800 mil euros, diz, e para 2019 trabalhou com o mesmo pressuposto, embora tenha já como quase certos cortes neste montante. Isto porque está em cima da mesa uma redução substancial do mecenato da EDP, uma tradição já longa na companhia, que deverá passar dos actuais 375 mil euros/ano para os cem mil. 

O PÚBLICO procurou confirmar esta redução com o Ministério da Cultura, que remeteu para a empresa. Ainda não foi possível, no entanto, obter esclarecimentos da EDP sobre este corte nem sobre os motivos que a ele levaram.

“Uma casa como esta é uma máquina que tem lá dentro artistas maravilhosos mas que é muito pesada. Se queremos dar espaço a esses artistas para criarem, se queremos que a companhia se apresente por todo o país e no estrangeiro e que, sobretudo, cumpra a sua missão de apresentar uma programação diversificada a remontar clássicos e não clássicos e a fazer coisas novas, contemporâneas, apresentando os bons coreógrafos nacionais e internacionais, temos de poder contar com, no mínimo, um milhão de euros, 1,5 milhões”, explica o director demissionário, lembrando que a CNB é a única companhia de reportório do país e que isso acarreta responsabilidades acrescidas. “Para repor reportório e criar reportório que valha a pena é preciso meios”, resume Ribeiro.

O PÚBLICO tentou ainda saber junto do Ministério da Cultura (MC) se o corte na dotação para programar 2019 se vai mesmo confirmar, ou, se pelo contrário, essa verba poderá vir a crescer, mas o gabinete de Castro Mendes disse apenas que “esta matéria será definida em sede de Orçamento do Estado”. Às críticas de Ribeiro, que associa as condições financeiras da CNB a uma falta de determinação política, contrapõe: “O Ministério da Cultura mantém o seu empenho numa estratégia exigente e partilhada para o reforço do apoio à criação artística.”

Tensão na companhia

Paulo Ribeiro, que tem uma das mais sólidas carreiras da dança portuguesa, ocupava o cargo de director artístico da CNB desde Novembro de 2016 e esperava-se que aí permanecesse até Novembro de 2019 (sai ao fim de 21 meses em funções), apesar das tensões de que o PÚBLICO deu conta em Abril. 

A contestação interna tinha já meses quando, em Março, numa manifestação dos trabalhadores do Opart - Organismo de Produção Artística, entidade que gere a CNB e o Teatro Nacional de São Carlos, um dirigente do Cena-STE (Sindicato dos Trabalhadores de Espectáculos, do Audiovisual e dos Músicos) tornava públicas as difíceis relações entre Paulo Ribeiro e os seus bailarinos.

Parte dos intérpretes queixava-se de uma aposta excessiva do director no reportório contemporâneo, acusando-o de descurar os grandes clássicos e neoclássicos, e de programar sem pensar no que o público da companhia gosta de ver, o que teria levado já a uma descida drástica nas receitas de bilheteira. 

Carlos Vargas, presidente do Opart, reconhecia, então, haver “diferentes pontos de vista” dentro da CNB e dizia que Paulo Ribeiro estava ainda à procura do seu caminho.

O clima terá melhorado com o anúncio, já em Abril, da restante temporada, que no fim do ano tem previsto o tradicional Quebra-Nozes e no arranque de 2019 um D. Quixote.

O director artístico, que nunca escondeu que gostaria de ver a companhia dançar mais peças do reportório moderno e contemporâneo (disse-o, aliás, ao PÚBLICO em 2017) e que deixou como marca um maior envolvimento dos bailarinos em projectos paralelos da companhia e uma participação de intérpretes mais velhos que há já muito pouco ou nada dançavam, reconhece as tensões. Ribeiro diz, no entanto, que não foram elas a precipitar a sua saída: “É verdade que houve diferenças de opiniões e espectáculos que não correram bem em termos de público, mas as coisas resolveram-se. Não é por causa disso que peço a demissão nem houve nenhuma exigência da tutela nesse sentido. Até porque o dinheiro que se perdeu em bilheteira é muito menos do que aquele que eu trouxe no apoio concedido pela Gulbenkian [25 mil euros] ou na co-produção com [o Théâtre National de ] Chaillot [90 mil].”

Já esta segunda-feira, através de um comunicado, o presidente do Opart, Carlos Vargas, garantia que Paulo Ribeiro continuará a colaborar com a CNB - irá apresentar em Novembro, no México, uma remontagem do seu Lídia e tem agendada nova peça, referindo-se precisamente à co-produção com o Teatro de Chaillot (Paris/França), com estreia marcada para Novembro de 2019.

“Grandes profissionais”

Dado que só assumirá as suas novas funções em Setembro, Sofia Campos preferiu não comentar por enquanto a sua nomeação, adiantando apenas que aceitou o convite “com um grande sentido de responsabilidade e de compromisso” e que espera poder “contribuir da forma mais positiva possível” para o futuro de “uma companhia que tem grandes profissionais e uma história da qual se pode orgulhar”.

Licenciada em Dança pela Escola Superior de Dança e ainda formada em Gestão das Artes na Cultura e na Educação pela Escola Superior de Educação Jean Piaget, Campos era vogal da administração do D. Maria II desde Janeiro de 2015 e tinha sob a sua tutela o arquivo da casa e a área da produção. 

Bailarina de formação foi, aliás, na produção que fez boa parte da sua carreira, passando pela RE.AL, companhia de João Fiadeiro (2003-2011), e pelo Alkantara Festival (2011), organizado pela associação com o mesmo nome, de que viria a ser co-directora, administradora e assessora artística entre 2012 e 2014. 

Chega à CNB por convite, tal como tinha acontecido com Paulo Ribeiro, e o MC explica assim por que razão a sua nomeação não carece de concurso público: “O OPART é uma E.P.E. e, como tal, rege-se pelo regime jurídico do Sector Público Empresarial. Assim, e à semelhança do que sucede com a nomeação dos membros do conselho de administração, compete ao Estado enquanto accionista nomear os directores artísticos. A nomeação de Sofia Campos será feita por despacho conjunto dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da cultura.”

Na nota que enviou às redacções dando conta da saída de Ribeiro e da entrada de Campos, a tutela frisa ainda que ao longo da sua carreira a antiga bailarina e produtora "tem mantido contacto regular com diversos teatros e festivais nacionais e internacionais e colaborado com estruturas, artistas e projectos de diferentes áreas: dança, teatro, artes visuais, vídeo e cinema, ao nível da consultadoria de produção e gestão”.

Com o MC a agradecer a Paulo Ribeiro a sua "colaboração, dedicação e empenho", finda assim um capítulo da história da CNB em que, segundo o ministério de Luís Castro Mendes, a companhia trabalhou no "alcance de novos públicos, na descentralização e na recuperação de reportório existente, assim como na criação de novos espectáculos".

Paulo Ribeiro rumou à CNB depois de 18 anos como director-geral e de programação do Teatro Viriato, em Viseu, e de ter fundado a Companhia Paulo Ribeiro em 1995. Foi o último director do Ballet Gulbenkian antes da sua extinção, em 2005. Sucedeu na CNB a Luísa Taveira, actual administradora do Centro Cultural de Belém.

Para além da nova criação que fará para a companhia e para o Teatro de Chaillot, Paulo Ribeiro tem, para já, a agenda em branco. Pela primeira vez em 59 anos de vida, diz, não sabe o que vai fazer a seguir. “É uma estreia para mim, que sempre trabalhei com um ritmo muito, muito intenso. Estou a tentar encarar este vazio, este silêncio, como uma oportunidade para pensar.”

Com Luís Miguel Queirós

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