Afinal as cervejas artesanais portuguesas são (quase todas) saborosas e fresquinhas

Quando começaram a aparecer as primeiras cervejas artesanais portuguesas, embirrei com o uso da palavra artesanal porque as cervejas eram obviamente industriais. Só este Verão é que tive oportunidade de perceber a enorme asneira que estava a fazer.

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Nelson Garrido

A melhor maneira de pensar em preconceitos é vê-los como aperitivos.

Quer queiramos, quer não, continuamos a ser crianças na escolha das coisas que pensamos que gostamos e não gostamos de comer e beber. Somos feitos para não experimentar o que é desconhecido, para nos cingirmos ao pequeno mundo onde nascemos, rodeados pelas poucas mas reconfortantes coisas que conhecemos desde que nos lembramos de existir.

Para tornar os preconceitos em aperitivos é preciso estar preparado para confirmar preconceitos. Cada vez que nos aventuramos a provar uma coisa que estamos convencidos que detestamos o resultado mais frequente é a desilusão. Nem é tão mau como pensávamos nem tão bom como dizem os apologistas. O veredicto mais frequente é o assim-assim, o tanto se me dá como se me deu.

Um dos meus preconceitos era contra a cerveja artesanal. Nunca tinha provado mas tinha a certeza que seria uma desilusão. Isto porque, como muitos estudantes universitários na Inglaterra nos anos 1970, passei muitas horas a fazer cerveja verdadeiramente artesanal em casa, com amigos, porque saía mais barata do que aquela que se bebia nos pubs.

Era sócio activo do CAMRA, fazendo campanha pela real ale (cerveja verdadeira) contra a cerveja industrial, gasosa e bacteriologicamente morta que ameaçava matar as deliciosas cervejas locais que são um dos triunfos da gastronomia britânica.

De resto, gosto de cerveja, embora considere que é um dos melhores exemplos para explicar o conceito da utilidade marginal. Para quem está num deserto a morrer de sede, um litro de água vale mil horas de trabalho, o segundo litro vale quinhentos e o milésimo litro vale meia hora.

É o mesmo com a pizza para quem está cheio de fome: a primeira fatia é muito mais útil (e vale muito mais) do que a última. Com a cerveja o primeiro trago é magnífico — aquela fresca amargura a matar a sede — mas o prazer vai-se depois diluindo. A segunda cerveja é notavelmente menos apetitosa do que a primeira.

Mas o primeiro golo de cerveja é mais espectacular do que qualquer outra bebida, exceptuando a água. É preciso aproveitá-lo bem. Esta regra é tão forte que a qualidade da cerveja até pode ser inferior. Embora não se perceba por que é que se há-de boicotar esse momento mágico com uma má cerveja.

Quando começaram a aparecer as primeiras cervejas artesanais portuguesas, embirrei com o uso da palavra artesanal porque as cervejas eram obviamente industriais. Só este Verão, com o aparecimento da cervejaria Hops and Drops aqui na praia Grande, é que tive oportunidade de perceber a enorme asneira que estava a fazer.

A Hops and Drops tem sempre oito cervejas à disposição, podendo-se provar todas em pequenos copos. A primeira coisa que tenho a dizer é que, surpreendentemente, eram todas muito boas, à excepção de uma que era semelhante à Heineken.

Todas elas eram secas, frutadas, agradavelmente amargas e, sobretudo, vivas. Parece incrível que em tão pouco tempo tantos cervejeiros, espalhados por todo o país, tenham conseguido fazer uma quantidade tão grande de excelentes cervejas.

Gostei particularmente das cervejas inspiradas nas IPA norte-americanas. A minha favorita — que também conquistou a Maria João, por ser a única cerveja de que gostou até agora — é a Mag8 Seteais, criada no Magoito por Sérgio Pardal. Ganhou um prémio nacional e é produzida pela excelente Oitava Colina, na Graça, em Lisboa.

É turva e muito “amaracujada”, embora seja rigorosamente seca. Bebe-se devagar, mais como um vinho do que uma cerveja, por ser tão deliciosa. É um desperdício bebê-la depressa sem prová-la como merece. Cada pequeno golo está carregado de sabor.

Outra cerveja excepcional é a Mango IPA, produzida pela Letra no Minho. Também tem o gosto pronunciado a maracujá e é gostosíssima, mas tem um travo de amargura muito bem equilibrado.

E lá se foi mais um maldito preconceito da minha vida, transformado em apetite. A conclusão a tirar não é só que as cervejas artesanais portuguesas são estupendas, mas que os nossos piores inimigos são os nossos preconceitos. Felizmente é fácil virá-los de pernas para o ar: basta experimentar, arriscando apenas a confirmação desses preconceitos.

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