Janeiro: “Andei obcecado em criar um som novo”

Nascido em Coimbra e sediado em Lisboa, Janeiro apresenta ao vivo o seu álbum de estreia, frag.men.tos, recém-lançado, que quase o afastou dos palcos. Este domingo estará no festival MEO Marés Vivas, em Vila Nova de Gaia.

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Janeiro ARLINDO CAMACHO

Tem o nome do primeiro mês do ano, mas não é pseudónimo, chama-se mesmo Janeiro. Henrique Janeiro da Costa Cabral. Cantor e compositor, nascido em Coimbra há 23 anos, ia lançar-se como “Henrique” mas achou Janeiro “mais impactante”. Não contou com uma coisa: “Online, Janeiro é uma coisa horrível, porque há o mês, há o Rio de Janeiro... Agora já estamos a ganhar mais espaço. E no Youtube aparece logo em primeiro lugar.” Com um EP de estreia lançado aos 20 anos e uma participação no Festival da Canção de 2018, a convite de Salvador Sobral, onde concorreu com a canção (sem título), lançou este ano o primeiro álbum, frag.men.tos. Este domingo, canta no MEO Marés Vivas.

Ao contrário do que sucede na maioria dos casos, foram os pais que o empurraram para a música. Por ele, teria ido “estudar gestão e ganhar dinheiro”, como disse este ano numa entrevista a Gonçalo Correia, no Observador. Ao PÚBLICO, em cujo auditório Janeiro actuou em Junho passado, recorda: “Lembro-me de o meu pai me sentar num sofá, ele tinha uma aparelhagem óptima, e dizer: ‘agora vais ouvir isto.’ E eu acabava por levar com aquilo sem escolha. Mas foi uma coisa natural. Ouvíamos muita música no carro, também. Depois entrei numas aulas de piano e chorava imenso, dizia ao professor ‘por favor, eu não quero estar aqui, quero ir brincar’.” Tinha, nessa altura, uns 8 anos. Mas foi quando apareceu um violino lá em casa que ele disse: “Um instrumento!” Só que não era aquilo que ele queria, preferia uma guitarra. E a guitarra apareceu, “um violão [com cordas] de nylon. Comecei a dar-lhe uns toques e, a certa altura, naturalmente, começo a fazer canções. Uma coisa tão orgânica que é inexplicável.” Mas não foi propriamente um autodidacta, porque nesse período teve aulas de guitarra e foi aprendendo a tocar.”

Do EP às “Janeiro Sessions”

Essa ligação à música, que começava a cimentar-se, levou-o a mudar-se para Lisboa, aos 17 anos, quase a fazer 18. “Que era para começar a estudar.” Musicologia. Nessa altura ainda não tinha amizades na capital, mas foi-as fazendo aos poucos, entre a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, onde estudava, e o Hot Clube, onde também começou a ter aulas. “Aprendi imenso com uma data de gente. De um lado tinha a parte teórica e do outro a parte prática. No Hot tinha aquela malta super fanática do jazz e do outro tinha amigos do techno, do rock, malta dos Capitão Fausto, outros que agora fazem parte do Coro da Gulbenkian. Acabei por andar entre uma série de géneros musicais.” É por essa altura que ele resolve lançou o EP de estreia, gravado em casa. “Foi um amigo lá no curso que me disse ‘eh pá, tu tens essas canções, eu tenho lá em casa um estudiozinho, porque é que não gravamos?’” Isso foi em 2015 e chegou para o levar a vários festivais, do NOS Alive aos Bons Sons, passando pelo Vodafone Mexefest ou pelo Belém Art Fest.

Depois, já em 2017, gravou e colocou no Youtube as “Janeiro Sessions”, sessões onde cantava, tocava e conversava com amigos, em sua casa, e onde surgiram duetos com Salvador Sobral, Ana Bacalhau, Miguel Araújo ou Tiago Nacarato. E nesse período ia tomando forma o seu álbum de estreia, frag.men.tos, lançado já em Junho deste ano. “Deixei de fumar há ano e meio por causa disto. Fumava imenso e um dia, num concerto, comecei a tossir tanto que resolvi parar. Como sou muito exigente, pensei que se queria mesmo fazer isto profissionalmente, tinha de ser. E sinto uma grande diferença na voz.”

Poesia, uma paixão antiga

Abre-se a capa do álbum, e a primeira coisa que se lê é: “Isto é um disco?” Uma pergunta entre a ironia e o desafio. “Andei obcecado em criar um som novo”, diz Janeiro. Talvez por isso, entre as doze canções gravadas surgem, como separadores, três vinhetas com os títulos trip #1, trip #2 e trip #3. E, tal como já fizera no EP, onde incluiu uma citação de João Villaret a dizer Florbela Espanca, aqui dá-nos a ouvir parte da Tabacaria de Álvaro de Campos/Fernando Pessoa na voz de Mário Viegas. “Sou um apaixonado por poesia, ainda por cima com influência de Coimbra, e gosto de ouvir poemas com música, alguém a falar, a declamar um poema, e alguém a tocar. Quanto a esse poema, senti que ele tinha um toque de surrealismo, quase niilista: ‘Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?/ Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!/ E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!’ Isto tem a ver com a narrativa que eu queria passar para as pessoas no meu trabalho, de se questionarem acerca do que são, do que representam. Foi um bocado o que o Pessoa fez quando se desmembrou em heterónimos, fragmentos.”

Um disco “em tons maiores”

As canções, escritas por Janeiro (letra e música, é ele que assina o álbum inteiro), têm por temática o amor e a amizade nas suas múltiplas vertentes. E isso vai das mais conhecidas Canção para ti, Temos coisas para viver ou Preguiça, até Casal banal, Desassossegado, Temos tanta paixão ou Contas no estrangeiro. “É um disco indubitavelmente romântico, positivo, em tons maiores. Não sei se isso vem da minha sorte de nunca me ter acontecido nada de mal na vida.” A experiência num estúdio profissional, depois dos primórdios em estúdios caseiros, foi para ele uma boa aprendizagem. Mas não consegue decidir se gosta mais do estúdio ou dos palcos. “Sou muito bipolar. Mas durante estes dois anos decidi parar de tocar ao vivo, a não ser em concertos pontuais. Foi um bocadinho uma viagem interior, de exigência, para o disco ficar o melhor possível.” Mas essa viagem acabou e Janeiro retomou os palcos. Este domingo, por exemplo, estará no Festival MEO Marés Vivas, em Vila Nova de Gaia, onde pode ser ouvido no palco Santa Casa, às 17h. Com ele estará Tiago Nacarato, como convidado (hoje, sábado, é a vez de Janeiro tocar no concerto de Tiago Nacarato, no mesmo palco, às 19h.). Na próxima semana, Janeiro estará nas Fnac (dia 27 no Colombo e 28 em Cascais) e no dia 1 de Setembro tem já agendado um concerto para o Festival F, em Faro.

Mas das canções que foi escolhendo para o álbum de estreia, umas quatro dezenas, já foi pondo algumas de parte para um próximo disco. “Funciono muito em gestão de recursos. Às vezes vou buscar um poema de há quatro anos e ponho uma melodia de agora, ou vou buscar um pedaço de uma melodia de imenso tempo, tudo para chegar a uma canção. Mas sim, de certa forma a organização no meu IPhone é já a pensar num novo trabalho.”

A ideia, no entanto, é tocar e deixar o disco fluir. Isto enquanto acaba o mestrado em comunicação e artes. “Por que é que eu vim para aqui? Porque pensei: sou um performer e não sei nada sobre artes performativas. Então tenho de ir estudar isto.”

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