Serralves e a arte da vigilância

Serralves é apenas um exemplo que comprova que a videovigilância já não se resume apenas a supervisionar pessoas.

O conceito de vigilância tem sofrido uma transformação considerável no que à sua aplicação diz respeito e neste momento é até redutor pensar neste processo apenas como a captação de imagens em direto com uma pessoa a supervisionar, ou a utilização a posteriori como meio de análise rudimentar, em que a informação retirada dessa visualização é diminuta e subvalorizada.

Hoje em dia faz mais sentido e é mais correto falar em monitorização. Este conceito é tão mais abrangente na medida em que abarca não só a vigilância em tempo real, mas permite também uma análise a posteriori, mais detalhada e com a apresentação de soluções práticas e imediatas. A monitorização é por isso um conceito mais direcionado para o verdadeiro sentido da Internet das Coisas (IoT), uma vez que a interligação entre equipamentos, bem como a inteligência artificial neles incorporada, permite que a recolha e análise de informação sejam feitas em tempo real, possibilitando otimizar espaços públicos, quer em termos de segurança, quer em termos de conforto e eficiência.

Uma das valências do conceito de monitorização aplicado aos espaços públicos é o do controlo de tráfego nas vias públicas. Esta análise constante é um passo essencial para que se evitem situações de risco e se consiga uma maior otimização destas infraestruturas. Isto significa não só a poupança em termos de recursos, como também maior eficiência energética dos automóveis, menor poluição e o menor risco de acidentes para quem circula nelas. O potencial destes sistemas acaba assim por se coadunar com uma visão zero – zero acidentes, zero emissões e zero stress.

Contudo, é nas pessoas que se centra a maior das preocupações, e em locais de grande afluência a monitorização é fundamental para garantir não só segurança, mas também a qualidade dos serviços prestados. Olhando para um caso concreto, o Museu de Serralves, no Porto, que durante o último Serralves em Festa recebeu um número recorde de cerca de 250 mil visitantes, é um bom exemplo do potencial destes sistemas, constituídos por uma tríade de sucesso entre camaras, sensores e inteligência artificial. A adaptação aos edifícios permite que as suas capacidades possam servir para uma melhor gestão de espaços, onde o acompanhamento e controlo do fluxo de pessoas faz a diferença, no que à segurança e comodidade diz respeito. Para além desta afluência esporádica, o Museu, considerado património nacional, recebe mais de 830 mil pessoas por ano. Um sistema capaz de analisar os dados que recolhe e de apresentar relatórios úteis, que formulem soluções para problemas como o controlo dos visitantes, são uma mais-valia para que os fluxos de pessoas sejam controlados, geridos e adaptados às várias circunstâncias. 

Serralves é também exemplo pela afluência excecional que deriva da exposição das obras de Joan Miró. Esta exposição trouxe mais visitantes às salas do Museu e houve a necessidade de perceber em que número e quais os dias de maior fluxo e os de maior acalmia. O sistema, que incorpora camaras panorâmicas com capacidade para captar vídeo a 360o e detetar o tipo, a volumetria e a velocidade de objetos, entre outros parâmetros, permitiu perceber este fenómeno e fazer uma melhor gestão do staff. Para além disso, foi possível fornecer informações úteis às equipas de segurança, para se evitar a sobrelotação do espaço. No final, em vez de uma multidão ao redor das obras de Miró, cada visitante pôde disfrutar de uma visita confortável e sem atropelos.

A capacidade analítica e de aprendizagem destes sistemas, bem como a forma preditiva como apresentam a informação, derivam de uma recolha intensiva de dados e da análise de inúmeras variáveis. Para que seja possível reconhecer padrões e aprender com eles, é necessário que os componentes eletrónicos funcionem permanentemente e que essa recolha seja suportada por uma análise fidedigna, através da integração de inteligência, ainda que artificial. Serralves é apenas um exemplo que comprova que a videovigilância já não se resume apenas a supervisionar pessoas, assumindo um papel relevante na recolha de informação que, depois de trabalhada, permitirá maior eficiência e qualidade dos serviços prestados. Neste sentido, o desafio que se impõe é potenciar esta informação em prol do melhoramento do dia-a-dia das cidades e, por inerência, das pessoas.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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