Idosos pelos ares. Nunca é tarde para um baptismo de voo

Um grupo de 14 idosos de cinco instituições sociais de Vieira do Minho voou pela primeira vez na vida. Partiram ontem do Aeródromo de Braga entusiasmados com o passeio e alguns recordaram mesmo a distância que os separa dos familiares emigrados em França e no Luxemburgo e disseram já estar prontos para repetir.

Carro, veículo a motor
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Cessna 150, Cessna 172, Cessna 152, Aviação
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Carro, Fotografia
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Carro
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Aviões de corpo estreito, Aviação, Aeronaves
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Grupo Social, Multidão
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Mal se abriu a porta da avioneta, Adília Pereira começou a bater palmas, antes de colocar novamente os pés na terra. “São sinal da gente vir contente. Vê-se tudo muito bem por aí fora”, reagiu, após ter sobrevoado um pedaço do Minho durante cerca de 15 minutos. Com 88 anos, a mulher foi a última a receber o baptismo de voo no seio de um grupo de 14 idosos que, na manhã desta terça-feira, rumaram de Vieira do Minho até ao Aeródromo de Braga para, pela primeira vez, poderem lançar outros olhares sobre o mundo em que habitam.

Todos eles residem em cinco dos centros sociais disponíveis naquele concelho onde nasce o rio Ave, e Adília, a mais velha do grupo, já só quer dizer à filha emigrada em França que, apesar de nunca a ter até agora visitado, já sabe o que é voar. “A minha filha costuma vir cá de férias, mas nunca me disse para ir lá vê-la. Nunca saí daqui para fora. Nunca saí de Vieira. Agora, quando ela me telefonar já lhe posso dizer que já andei de avião”, disse a mulher, residente há cerca de 20 anos no Centro Social e Paroquial de Vieira do Minho.

A ideia de proporcionar a um grupo de idosos do concelho o primeiro voo das suas vidas surgiu do Clube de Amigos de Vieira (Cava), instituição criada em 2005. “O Cava teve conhecimento de vários idosos institucionalizados no concelho que nunca tinham voado, há seis, sete meses”, lembrou Filipe d’Oliveira, presidente da instituição desde a sua fundação. Criada com o intuito de promover actividades sociais, desportivas e culturais – tem, por exemplo, um núcleo de desporto adaptado desde 2012 -, a associação, com mais de 800 sócios inscritos, reuniu idosos de cinco das sete Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) de Vieira do Minho que contactou e avançou com o evento, graças também ao apoio do Instituto Português do Desporto e da Juventude.

Para se aventurar pela primeira vez pelo ar, o grupo não teve sequer de percorrer 40 quilómetros até ao Aeródromo de Braga, próximo do troço da estrada nacional com ligação a Vila Verde. Cada idoso sentou-se pela primeira vez numa das três aeronaves de dois lugares disponibilizadas para o baptismo pelo Aero Clube de Braga, entidade fundada em 1935 e que já acolheu vários outros baptismos. “O Aero Clube de Braga tem promovido este género de actividades, quer com idosos, quer com crianças, quer com pessoas da APPACDM [Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental local] e da CERCI [Centro de Educação e Reabilitação de Crianças Inadaptadas]”, afirmou o presidente da instituição, Cruz Costa. O responsável foi um dos três pilotos que conduziram a iniciativa e confessou que cada voo com idosos vale sobretudo pelo entusiasmo e pela “alegria contagiante” exprimida enquanto no ar.

Alguns dos idosos confirmavam esse entusiasmo após deixarem a cabine de pilotagem. Tal como Adília, Maria de Jesus Barbosa nunca pôde, em 80 anos, visitar os seus dois filhos emigrados, neste caso no Luxemburgo. Pouco antes de levantar voo, a utente da Santa Casa da Misericórdia de Vieira do Minho, confessava que “voar era algo que lhe passava muitas vezes pela cabeça”. Um quarto de hora depois, com o “sonho concretizado”, já falava em poder “ir dar uma volta um dia mais tarde”. O medo, esse, ficou à porta da avioneta.

Num dos 14 casos, porém, a viagem sobre alguns dos territórios de Braga e de Vila Verde, separados pelo rio Cávado, não foi um verdadeiro baptismo. Residente no Centro Social e Paroquial de Ribeira Cávado, Maria da Conceição Lopes voou pela primeira vez há três anos, rumo a França, para visitar a família. A viagem ia ser feita de carro, mas o acidente sofrido pelo genro levou-a a atravessar pela primeira vez os ares. A segunda viagem de avião foi diferente. “Demorou menos, conseguia ver o que estava cá em baixo, enquanto na outra não conseguia ver nada”, disse.

Enfim no ar, mais de 50 anos depois

“Eu ainda não me queria despedir para o outro lado, lá para cima, sem conhecer a experiência do avião”, frisou António Ribeiro, o primeiro dos 14 idosos a andar pelo céu, na manhã de terça-feira. O baptismo de voo, aos 83 anos, permitiu-lhe ver “casas mais pequeninas” numa zona que disse conhecer bem e animá-lo novamente para eventualmente visitar a família que se encontra quer em França, quer no Luxemburgo. A experiência também lhe deu algo que lhe fora negado há mais de 50 anos, em Lisboa. “Tinha estado dentro de um avião, em Lisboa, na década de 60, em 1962 ou 1963, e, na altura, fiquei com um bocado de receio”, recordou.

António Ribeiro ganhou esse receio no momento em que o veículo, quando se preparava para arrancar, avariou. “O motor começou a trabalhar, mas houve uma avaria. O piloto disse que o avião não pôde arrancar, e tivemos de sair. Nessa altura, quando tinha a ideia de andar lá em cima, só pensava no tombo cá para baixo”, acrescentou o utente do Centro Social Interparoquial de Campos, Ruivães e Salamonde, numa zona de Vieira do Minho já às portas do Parque Nacional da Peneda-Gerês.

Mobilidade reduzida

Sentados em fila à sombra de um dos hangares do aeródromo, as pessoas aguardavam pelo seu baptismo ou repousavam após a sua primeira incursão pelo ar. Nesses intervalos, uma das animadoras sociais presentes pegava na concertina e lá entoava uma melodia para os entreter durante a espera. No grupo, uns andavam sem qualquer apoio e falavam fluentemente, mas outros precisavam de algumas mãos para lhes amparar os movimentos e tinham mais dificuldades em se exprimir. É assim o quotidiano do Centro Social e Paroquial de Rossas, que podia levar três dos seus 12 utentes a Braga, mas levou apenas dois, Armando Sousa e Margarida Silveira. “Temos duas pessoas com mobilidade reduzida, mas que poderiam estar nesta actividade. O resto é tudo acamado”, explicou a directora-técnica do lar, Andreia Silva. “Eles não podem entrar nas aeronaves sequer.”

O baptismo de voo acabou por ser uma excepção num quotidiano marcado pelos condicionalismos, que resultam das debilidades físicas dos utentes. A responsável esclareceu que, por norma, qualquer actividade exterior requer sempre o uso das próprias carrinhas do centro social e das cadeiras de rodas.

A realidade do Centro Social e Paroquial de Vieira do Minho é outra. Havia muitos idosos à escolha, mas o medo demonstrado por alguns encurtou o lote e facilitou a selecção, reconheceu uma das animadoras sociais, Marlene Pimentel. Com outras iniciativas já agendadas para os idosos no Verão – idas à praia e a santuários e um baptismo de comboio -, a responsável afirmou que o percurso aéreo só foi possível graças à cooperação entre instituições promovida pelo Cava.

Encerrada a manhã, Filipe d´Oliveira sublinhou que o mais positivo do baptismo aéreo foi o entusiasmo exibido pelos idosos logo após o voo, no lugar de uma certa ansiedade que se notava antes de entrarem no avião. “Alguns queriam repetir a experiência”, disse. Adília Pereira confirma. “Senti-me muito bem. Voltava já outra vez.”

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