Ases alfacinhas

As vogais não são fechadas para ninguém as poder ouvir. São abertas para dar prazer a toda a gente.

Nós os lisboetas temos um problema com os ós e os ás. Não é só com as saudades coimbrãs que têm quatro sílabas e se pronunciam saudavelmente saúdades. Aqui as mesmas saudades, sejam plangentes ou ligeirinhas, transformam-se em sódades, porque é quando se está só que elas mais apertam.

A maneira como agradecemos também é distinta. Achamos que a pronúncia oficial (oubrigado) é ambígua por causa daquele ou inicial. É praticamente o mesmo que dizer "obrigado ou não, não sei se deva agradecer". É feio.

Mais vale dizer óbrigado. Aos coimbrões soa como se estivéssemos a chamar por alguém chamado Brigado: Ó Brigado, chega aqui, se fáchavor! Há até extremistas alfacinhas que dizem óbrigar em vez de oubrigar. Então com o último ó de muito é-se obrigado a dizer muitóbrigado.

Os livros da Ánita são diferentes dos livros da Anita. A Anita é uma Ana pequena que se presta a rimas infelizes, como sanita, mas a Ánita é mais altiva e adulta, mais senhora do seu nariz.

A fadista Maria Armanda chama-se Maria Armanda e não Mariármanda. A Ármanda é mais alfacinha do que a Armanda porque nós em Lisboa guardamos o a suave para a palavra amor. É uma homenagem comovente, só estragada em certas freguesias em que se diz "Olhámor, sai-me da frente, 'tá bem?". 

Dizemos "estás ármado em parvo?" e quando nos fartamos dalguém gritamos "Tocándár!" As vogais não são fechadas para ninguém as poder ouvir. São abertas para dar prazer a toda a gente: não se pode levar uma águlha para a ávioneta porque dá ázia.

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