Morreu um homem íntegro e incansável

João Semedo foi sempre coerente nos seus princípios e incansável nas lutas em que se envolveu.

João Semedo não foi mais um político ou mais um médico. O antigo coordenador do Bloco de Esquerda ou director do Hospital Joaquim Urbano, no Porto, foi bem mais do que a soma destas duas partes. Semedo nunca deixou de intervir política e civicamente, fosse em 1967, nas mobilizações estudantis de apoio às populações atingidas pelas cheias na periferia de Lisboa, onde nasceu, fosse na candidatura à Câmara do Porto, em 2017, cidade onde viveu nos últimos 40 anos. Semedo fez parte dos movimentos estudantis na Faculdade de Medicina de Lisboa, foi preso por distribuir panfletos a exigir eleições livres, participou nas campanhas de alfabetização após o 25 de Abril, foi membro do Comité Central do PCP, que abandonou para integrar as listas do BE, encabeçadas por Miguel Portas, nas eleições europeias de 2004.

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João Semedo não foi mais um político ou mais um médico. O antigo coordenador do Bloco de Esquerda ou director do Hospital Joaquim Urbano, no Porto, foi bem mais do que a soma destas duas partes. Semedo nunca deixou de intervir política e civicamente, fosse em 1967, nas mobilizações estudantis de apoio às populações atingidas pelas cheias na periferia de Lisboa, onde nasceu, fosse na candidatura à Câmara do Porto, em 2017, cidade onde viveu nos últimos 40 anos. Semedo fez parte dos movimentos estudantis na Faculdade de Medicina de Lisboa, foi preso por distribuir panfletos a exigir eleições livres, participou nas campanhas de alfabetização após o 25 de Abril, foi membro do Comité Central do PCP, que abandonou para integrar as listas do BE, encabeçadas por Miguel Portas, nas eleições europeias de 2004.

Trabalhou com toxicodependentes e portadores de VIH, foi crucial na aprovação de legislação sobre o testamento vital, a Carta dos Direitos do Utente do Serviço Nacional de Saúde (que introduziu o conceito de tempo de espera para as consultas, internamentos e cirurgias), e a possibilidade de os doentes optarem por um medicamento genérico, mesmo quando o médico não autorize a mudança. Juntamente com o criador do SNS, António Arnaut, falecido há menos de dois meses, travou uma das suas últimas batalhas: a defesa de uma nova Lei de Bases de Saúde que refundasse o serviço de saúde pública. A outra foi o direito à morte medicamente assistida (eutanásia ou suicídio assistido), por acreditar no “direito a morrer com dignidade”, que o Parlamento rejeitou, curiosamente, com a ajuda do partido no qual entrou nos anos 70. 

O seu contributo democrático e cívico para o bem público não se resumiu, contudo, à política ou à medicina; foi dirigente da Cooperativa Árvore e director do Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica, o FITEI. João Semedo foi sempre coerente nos seus princípios e incansável nas lutas em que se envolveu. Incansável mesmo apesar da doença que ontem o vitimou. Um homem entre a política, a medicina e a cultura, entre a liderança de um partido e uma candidatura municipal, entre Lisboa e o Porto é alguém que leva devidamente a sério a necessidade de contribuir para uma “democracia mais perfeita” e que nunca se sentiu a “fazer o que não queria”. E tudo o que fez fê-lo com uma rara e consensual honestidade e integridade.