Bar Micha quer ser “loja histórica” antes que a casa venha abaixo

O bar no cais de Gaia quer ser reconhecido como estabelecimento de interesse histórico e cultural pela história que tem mas também para lutar contra a degradação do prédio. Câmara ainda não analisou pedido.

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O Bar Micha funciona como estabelecimento de restauração e bebidas há 89 anos. Manuel Roberto
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O interior do espaço está decorado com motivos náuticos, que vão desde o balcão-caravela aos barcos em miniatura. Manuel Roberto
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Ramiro Monteiro está preocupado com a degradação do edifício, que tem vindo a ser ignorada pelos proprietários. Manuel Roberto

Quando entramos no número 158 da Avenida de Diogo Leite, frente a frente com o rio Douro, encontramos à nossa espera o filho do Zé da Micha, o fundador do bar a que deu o seu apelido. No caminho até à última mesa, onde nos sentamos a conversar, bóias, bússolas, âncoras e lemes decoram as paredes do restaurante. Ramiro Monteiro não tem dúvidas de que o espaço reúne todas as condições para ser classificado como loja de interesse histórico e cultural para a cidade. Ainda que só tenha adoptado o nome de Bar Micha há 31 anos, funciona como estabelecimento de restauração e bebidas desde 1929. Com 89 anos, esta é a loja mais antiga do ramo no cais de Gaia e a primeira a ter esplanada, retratada “em inúmeros postais da época”.

Por todas estas razões, a Câmara de Vila Nova de Gaia recebeu, no dia 28 de Junho, uma candidatura com vista à classificação do Bar Micha como loja de interesse histórico e cultural.

No documento enviado pela mulher e dona do restaurante, Maria Luísa Monteiro, ao município, pode ler-se que o espaço “sempre foi um local de encontro das gentes e único da beira-rio, em particular dos marinheiros, pintores dos navios, estivadores, carregadores das madeiras para fazer as pipas e das mulheres que carregavam o carvão das barcaças”.

O Bar Micha, inaugurado em Junho de 1987, prima também pela “originalidade e autenticidade”. No interior do espaço, salta à vista a temática naval, o balcão-caravela e a colecção de barcos em miniatura. Mas os motivos náuticos reflectem-se um pouco por todo o espaço, desde os vitrais às pinturas a óleo.

O pedido de reconhecimento nasce da vontade de homenagear Zé da Micha, que deu nome ao Centro Cultural e Recreativo da Beira-Rio, na freguesia de Santa Marinha, mas também da vontade de proteger o estabelecimento. Ramiro Monteiro está preocupado com a degradação do edifício, problema que diz ser ignorado pelos proprietários há mais de dez anos. “Tenho receio de que se estrague ainda mais o que nós construímos porque nem janelas o prédio tem”, conta.

Destruir o edifício

A humidade é o problema mais urgente e, nos últimos anos, garante ter tido prejuízos na ordem dos 50 mil euros. “Já fui para tribunal, fez-se um acordo judicial de que o proprietário iria fazer a reabilitação total do prédio sem tocar na parte de baixo e de que, a partir do momento em que fizesse a reabilitação total do prédio, o contrato seria renovado por dez anos, com direito a trespassar a um filho por outros dez, nas mesmas condições. Isto foi acordado há quatro anos e as obras deviam estar concluídas há quatro anos.” Para o responsável pelo restaurante, a ausência de resposta, bem como de obras de reabilitação, demonstra a intenção do proprietário de “destruir propositadamente o edifício”.

“Este é o prédio aqui na zona que está mais deteriorado. Eu perco pelo menos 10% a 20% dos clientes porque vêm com crianças e até se assustam com o mau aspecto”, acrescenta. Ramiro Monteiro nota ainda que não foi notificado de que a filha de Manuel dos Santos Oliveira seria a nova proprietária do edifício.

De acordo com a Lei 42/2017, de 14 de Junho, “compete aos municípios, nomeadamente no âmbito das suas competências em matéria de gestão urbanística e preservação do património, proteger e salvaguardar os estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural ou social local”.

Em resposta ao email do PÚBLICO, a autarquia confirma ter recebido o pedido do bar. No entanto, avança que o processo ainda não deu entrada nos serviços camarários.

“Só após a análise em conformidade com os critérios definidos na lei ou outros que a autarquia considere importantes — designadamente, a longevidade no exercício da actividade, o significado para a história local assente na sua contribuição para o enriquecimento do tecido social, económico e cultural locais, em termos que constitua um testemunho material da história local — é que será possível emitir pronúncia quanto ao caso em concreto”, responde.

Relativamente às obras de reabilitação, a autarquia afirma que “foi ordenada à proprietária, Liliana Santos Silva Oliveira, por intermédio do ofício enviado, a realização das obras de conservação preconizadas em auto vistoria, para efeitos de correcção das patologias nele referidas e da consequente insalubridade, insegurança e desarranjo estético por elas provocadas”. Segundo Ramiro Monteiro, o prazo para realizar as obras termina no dia 20 de Agosto.

Texto editado por Ana Fernandes

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