Bancos pagam juros a clientes com empréstimo da casa a partir desta quinta-feira

Medida só abrange os clientes com spreads mais baixos, já anulados pelo valor negativo da Euribor.

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Banca forçada a pagar juros a alguns clientes. Paulo Pimenta

A lei que obriga os bancos a reflectir os juros negativos nos empréstimos à habitação foi publicada esta quarta-feira em Diário da República e já se aplica esta quinta-feira. A medida, que na prática obriga os bancos a pagar juros a alguns clientes, só abrange os contratos com spreads ou margem comercial muito reduzida, abaixo de 0,3%.

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A lei que obriga os bancos a reflectir os juros negativos nos empréstimos à habitação foi publicada esta quarta-feira em Diário da República e já se aplica esta quinta-feira. A medida, que na prática obriga os bancos a pagar juros a alguns clientes, só abrange os contratos com spreads ou margem comercial muito reduzida, abaixo de 0,3%.

A taxa de juro da maioria dos contratos à habitação é composta pela soma do valor da Euribor e do spread. Como a Euribor está negativa, vai roubando ou mesmo anulando o valor do spread. Depois de anulado o spread (já não há pagamento de juros), o banco tem de continuar a reflector o valor negativo da taxa, e neste caso ou tem de pagar capital em dívida, ou vai descontar esse valor no futuro, quando o cliente volte a ter de pagar juros.

Assim, e para um universo reduzido de clientes, os bancos vão mesmo ter de pagar parte do capital dos empréstimos à habitação. Mas esse pagamento não é imediato, uma vez que para facilitar a operacionalização da medida, os bancos vão criar um crédito de juros a favor dos clientes, a deduzir ou a descontar quando as taxas da Euribor voltarem a atingir valores positivos.

Em teoria, o diploma aplica-se a perto de dois milhões de empréstimos à habitação existentes em Portugal (dados de 2016) e aos que vierem a ser contratados no mesmo regime. Mas na prática, e actualmente, o impacto real é bem mais reduzido, porque, apesar de as taxas Euribor se encontraram negativas em todos os prazos, o valor é relativamente reduzido (0,321% a três meses, que é a mais baixa). E a larga maioria dos empréstimos tem spreads mais altos.

Mas se as taxas Euribor continuarem a descer, o que não é expectável face aos dados macro-económicos actuais, ou se se mantiverem nos patamares de hoje durante um longo período de tempo, a acumulação de juros pode ser benéfica para os clientes abrangidos.

A seis e 12 meses, que são os restantes prazos usados no crédito à habitação, as taxas Euribor estão negativas em 0,269% e em 0,179% respectivamente. Os bancos, por determinação do Banco de Portugal, já têm vindo a abater, no spread, o valor negativo da Euribor, mas faziam-no apenas até esgotar essa margem, ou seja, até atingir o valor de zero. A partir desta quinta-feira, e mesmo depois de anulada toda a margem comercial, os bancos tem de continuar a reflectir o valor negativo da taxa final, o que na prática leva a terem de pagar capital, sob a forma de juros.

A nova Lei foi uma iniciativa do Bloco de Esquerda, que o Partido Socialista considerou justa, mas que depois “congelou” durante mais de dois anos. O diploma final, com contributos do PS, pretende garantir a aplicação da Euribor no caso de subida, mas também de descida. Recorde-se que 2007 e 2008 as taxas Euribor dispararam e os bancos aplicaram-nas integralmente, levando muitas famílias a deixarem de pagar os empréstimos por não conseguirem suportar o aumento dos encargos com juros.

Os bancos, através da Associação Portuguesa de Bancos (APB), manifestaram-se frontalmente contra o reflexo da Euribor negativa nos empréstimos. “A aprovação de uma tal medida seria manifestamente incoerente e desequilibrada, e excessivamente restritiva da liberdade de iniciativa económica privada, e conforme afirmado pelo Banco de Portugal, numa audição no Parlamento em Abril de 2016, poderia ter custos irreversíveis a médio e longo prazo para o sector”, refere uma nota da APB, aquando da discussão no Parlamento.

A associação presidida por Faria de Oliveira destacava ainda “o tratamento desigual que resultaria entre operações activas e passivas, dado que os bancos nacionais se encontram impedidos de aplicar taxas de juros negativas nos depósitos de clientes, uma situação, aliás, que não encontra paralelo na generalidade dos países da Europa”.