As noites são mais belas que os dias

Esta exposição começou com convite à artista Carla Filipe para mostrar como a noite no Porto foi propícia ao encontro e desenvolvimento de formas de arte e de projectos artísticos.

A possibilidade do espaço ser de qualquer um constitui uma importante utopia política
Fotogaleria
A possibilidade do espaço ser de qualquer um constitui uma importante utopia política
Galeria Municipal do Porto
Fotogaleria
Exposição de arte, arte moderna
Fotogaleria
Museu de arte, Arte moderna, Janela, Arte
Fotogaleria
Caligrafia
Fotogaleria
Design, carpinteiro
Fotogaleria

Que as noites podem ser mais belas que os dias tem sido um mote comum para uma geração que num certo momento encontra na vivência da noite, da música, da dança, e dos encontros por ela proporcionados uma forma de contra-cultura. Desta forma a noite não é sinónimo de alienação ou do esquecimento de si através da diversão, mas lugar de formação de uma consciência do mundo e do lugar que nele se ocupa. E a noite também não é aqui unicamente o lugar onde metaforicamente a ausência do sol se faz sentir  — o que marcou de modo tão intenso alguma arte minimal —, mas o lugar onde a luz é feita dos gestos que procuram a sua singularidade e expressão.

Esta exposição começou com convite à artista Carla Filipe (Porto, 1973) para mostrar o modo como a noite no Porto foi propícia ao encontro e desenvolvimento de formas de arte e de projectos artísticos. Ou seja, a maneira como o contexto informal da noite é propício a manifestações artísticas. Não se trata só de encontrar nas luzes, nos movimentos e nas cores motivos de inspiração para a construção de obras plásticas. A noite é uma oportunidade de formação de uma comunidade informal que é tornada possível através da vivência em grupo da música, da imagem e do movimento não intencional da dança. E é este encontro que Carla Filipe tomou em mãos como motivo para a exposição. Que não é tanto sobre a noite do Porto num determinado tempo histórico e os artistas que se encontravam num bar, mas sobre a noite enquanto estado mental, processo de abstracção e, afirma a artista, sobre a “abertura mental e física proporcionado pela música.”

Esta teia constitui o mote para juntar artistas para quem o universo da música e da vivência da música num clube nocturno é motivo continuo de inspiração. E Carla Filipe é um pivot porque a sua presença dupla – artista e curadora – é o elemento provocador das uniões e diálogos que a exposição permite. Não só encontramos no seu trabalho referência às suas presenças em bares icónicos do Porto como o Passos Manuel através de dj’s set, projecções video, realização de cartazes, entre outros, mas a sua prática é formadora de comunidades. É este espírito e forma de viver/entender a prática artística que permitiu desenvolver diálogos entre artistas com geografias e estéticas diferenciadas aqui transformados em experiência comum.

A montagem da exposição – que teve de lidar com presenças distintas: vídeos de Wolfgang Tillmans ou Tomé Duarte; uma escultura sonora de Diogo Tudela; desenhos de Mauro Cerqueira e Ryamond Pettibon... – é um dispositivo muito bem sucedido na construção da tal experiência comum de obras com densidades, expressões e materialidades potencialmente conflituosas. A montagem em muitos momentos destrói as convenções habituais da apresentação de trabalhos das ditas artes visuais e usa o espaço como estrutura informal e de intervenção que não só acolhe imagens desenhadas, penduradas ou projectadas nas paredes, como se assume também como lugar de intervenção onde qualquer sujeito pode agir. E esta possibilidade do espaço ser de qualquer um constitui uma importante utopia política que é ensaiada nesta exposição.

São as ideias de liberdade, encontro e expressão desinibida que a noite proporciona, potencia e provoca, que formam o ponto de coincidência entre política e poética a que esta comunidade temporária e informal de artistas dá corpo e expressão.

Sugerir correcção
Comentar