Portugal de todas as cores

Portugal é mais monocromático, ainda muito ligado a este passado colonial onde o branco manda e o negro obedece e para que deixe de o ser vão ser precisas três gerações por inteiro e talvez daqui a 100 anos a gente esteja lá.

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Manuel de Almeida/LUSA

Enquanto houver uma palavra, uma intolerância, um insulto, uma cuspidela que seja, um murro, um pontapé, uma morte, apenas porque sim, porque somos diferentes, a cor da pele diferente, mais escura, nem por isso branca, ou talvez amarela, tostada, encarniçada, mas diferente, sairemos à rua, ter-nos-ão na rua, todos na rua, a lutar pelo que ainda é preciso lutar, pela igualdade, contra a discriminação racial, e de caminho sexual e religiosa, ou não fôssemos todos iguais, da mesma carne e do mesmo sangue, os mesmos ossos, brancos, se é que isso vos sossega, e se calhar é isso, os nossos ossos são brancos como cal, e talvez isso vos sossegue, o resto é pigmentado.

Porque uma cidadã colombiana foi agredida na cidade do Porto e amanhã será agredida outra vez, e por isso aqui nos têm, de cartazes em punho e vozes em protesto, doa a quem doer, num país onde o racismo remete as etnias para bairros de habitação social, guetos, porque, e felizmente, os campos de concentração já não existem, e se têm um tecto já é muito bom e não se queixem que na mata da Trafaria ainda vivem em barracas, mas dentro da mata ninguém os vê e 40 anos depois ainda lá estão e ninguém quer saber, são “pretos”. 

Portugal é de todas as cores, mas nem por isso tolera a cor. Portugal é mais monocromático, ainda muito ligado a este passado colonial onde o branco manda e o negro obedece e para que deixe de o ser vão ser precisas três gerações por inteiro e talvez daqui a 100 anos a gente esteja lá. Por enquanto, não estamos. E por isso tenho de abrir a porta e gritar à rua. 

E sim, no fundo tudo se resume a esta palavra, “pretos”, “nigger” em inglês, “the n word”, igualmente insultuosa, como cuspo na tua cara, na minha, na nossa cara. E por isso damos a outra face, podem continuar a cuspir. Não responderemos, não reagiremos, não vamos descer ao vosso nível, ao vosso ódio tão primitivo, a agressão gratuita sem nada em troca, e portanto não se apoquentem, não terão o nosso ódio, apenas a nossa pena, e talvez um abraço, sim, um abraço, o nosso amor, o amor que não tiveram, e por isso este ódio, mas a culpa não é nossa, nem vossa, um longo abraço e estas lágrimas estateladas nas maçãs do rosto, em farrapos, descosidas e rasgadas rosto abaixo, o vosso. 

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