Morreu Altino do Tojal, autor de Os Putos

Autor de uma extensa bibliografia, na qual se destaca o livro de contos Os Putos, com mais de 30 edições, o ficcionista e jornalista bracarense morreu este domingo aos 78 anos.

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Capa da primeira edição de Os Putos

O ficcionista e jornalista Altino do Tojal, autor de Os Putos, um dos mais reeditados livros de contos da literatura portuguesa contemporânea, morreu este domingo na Póvoa de Lanhoso, Braga, a poucos dias de completar 79 anos.

Nascido a 26 de Julho de 1939 em Braga, onde viveu até aos 27 anos, Altino Martins da Costa, que ficaria conhecido pelo pseudónimo literário Altino do Tojal, trabalhou em jornais como o Jornal de Notícias, O Século ou o Comércio do Porto, ao mesmo tempo que foi prosseguindo uma carreira literária iniciada em 1964 com a publicação do livro de contos Sardinhas e Lua, que veio a reeditar em 1973 numa versão aumentada e com um novo título: Os Putos.

Hoje com mais de 30 edições, este livro, do qual Óscar Lopes afirmou, na História da Literatura Portuguesa, que inclui “alguns dos melhores contos contemporâneos da infância e adolescência pobres”, foi sendo constantemente alimentado pelo autor com novas histórias. “Fez-me bem escrever este livro, conto a conto, durante meio século”, escreve Altino do Tojal na 29.ª edição da obra, publicada pela Imprensa Nacional/Casa da Moeda (IN/CM) num alentado volume de 700 páginas que compila quase centena e meia de contos.

Transposto para BD, encenado e levado aos palcos, adaptado em 1979 ao pequeno ecrã numa mini-série da RTP, cujo elenco integrou a recém-desaparecida Laura Soveral, Os Putos, publicado no final da ditadura, e que os serviços de Censura (lembra o jornalista Gonçalo Pereira no blogue Ecosfera Portuguesa) só não mandaram apreender em 1973 por não quererem contribuir para dar visibilidade a uma obra que consideravam de “baixíssimo nível literário”, tornou-se um dos grandes sucessos editoriais do pós-25 de Abril.

“Bastaria este livro para que o seu autor não pudesse ser esquecido”, escreveu o poeta José Blanc de Portugal. Mas também se pode especular que a sua morte talvez passasse hoje bastante mais despercebida se não tivesse publicado Os Putos, não obstante ter escrito muitas outras obras, como A Colina dos Espantalhos Sonhadores (1975), a parábola Bodas de Cem Mil Bárbaros (1978), O Oráculo de Jamais (1979), novela que Urbano Tavares Rodrigues considerou “uma das grandes e raras obras universais da nossa Literatura”, a surpreendente Viagem a Ver o que Dá (1983), as Histórias de Macau (1987), resultado de uma estada no Oriente, ou Ruínas e Gente (1991), também inspirado numa viagem, esta pela Grécia e pelo Egipto.

Influenciado pelo realismo fantástico latino-americano, Altino do Tojal, cuja obra vem sendo reeditada na IN/CM, sempre assumiu o seu distanciamento de um neo-realismo com o qual a sua ficção partilhava ambientes e preocupações sociais, mas ao qual censurava uma dureza demasiado uniforme e sem bálsamos. “Até nos meus contos mais graníticos há suavidades transfiguradoras, como as neblinas no cume das montanhas”, afirma numa entrevista de 2001 a Luís Souta, para o jornal A Página da Educação.

O "Mínimo Gorki"

Criado por uma tia, Emília, que ensinava em escolas primárias de várias aldeias do distrito de Braga e o levava consigo para as aulas, Altino aprendeu a ler aos cinco anos. E terá sido também a esta tia que ficou a dever a precoce certeza de que queria ser escritor, fascinado pelas histórias que a parente lhe contava. “Tinha um dom para contar histórias como nunca vi em mais ninguém”, diz o autor na já referida entrevista a Luís Souta.

A segunda figura tutelar na infância do escritor foi a do seu avô, um professor aposentado que, irritado pelas críticas da parentela ao facto de se ter tomado de amores pela criada, saiu de casa e levou consigo o neto. Foi este avô, que costumava levá-lo à Citânia de Briteiros, que lhe incutiu o gosto pela arqueologia. Pelo final dos anos 50, quando já concluíra os estudos em Braga, Altino do Tojal meteu na cabeça que havia de viajar até ao Egipto e atravessou a fronteira a salto, uma aventura precocemente cerceada. Detido em Espanha, antes de ser devolvido à procedência ainda lhe foi concedida a questionável honra de ser encarcerado na cela vizinha da que acolheu Cristóvão Colombo na prisão de Valladolid.

Regressado a Portugal, trabalha durante algum tempo na Biblioteca Pública de Braga, graças à intervenção do seu então director, Egídio Guimarães, que o estimulou também a publicar os seus contos.

Trabalha depois durante sete anos no Jornal de Notícias, no Porto, que o despedirá sumariamente em 1973, logo após a publicação de Os Putos, que incluía um par de contos em que o autor retratava impiedosamente o ambiente da redacção. Num deles, O Campo de Judite, Altino propõe-se escrever um comovente artigo sobre uma menina que todos os dias cata as pedras de um terreno porque a convenceram de que o pai regressará um dia de França de avião e precisará do terreno limpo para poder aterrar, mas o chefe de redacção não está para devaneios: “Pronto! Lá vem este Mínimo Gorki foder-me outra vez o juízo! Deixe-se de minhoquices, homem. Fale-me de coisas sérias”.

Mas o sucesso de Os Putos fez com que o seu nome começasse a ser conhecido e não tardou a arranjar emprego n’O Século, onde viveu o 25 de Abril de 1974, e no qual permaneceu até ao encerramento do jornal. O final da sua carreira jornalística foi no diário portuense Comércio do Porto, onde trabalhou durante 17 anos.

Dedicou-se também ocasionalmente à tradução, devendo-se-lhe versões portuguesas de Romance de Um Rapaz Pobre, de Octave Feuillet, e de Quo Vadis?, de Henryk Sienkiewicz.

O funeral de Altino do Tojal realiza-se esta quarta-feira, às 15h, na Igreja de Sobradelo da Goma, Póvoa de Lanhoso.

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