O Nos Alive fechou-se em torno dos Pearl Jam e da “família” e o rock salvou o mundo

O regresso da banda de Seattle a Portugal era o concerto mais aguardado da última noite do festival. À actuação irrepreensível da banda de Eddie Vedder somaram-se as boas prestações de Jack White, The Last Internationale, Franz Ferdinand ou Alice in Chains, numa noite que não correu bem para os At The Drive-In.

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Eddie Vedder, voz e figura principal dos Pearl Jam José Goulão / Lusa

Que se cale toda a música em redor, que estejam viradas todas as atenções para um só ponto. Apontem-se os olhos e sintonizem-se os ouvidos para o palco principal do Nos Alive, que é hora de receber de braços abertos uma banda da casa. É um regresso adiado há oito anos, sem corte de relações e com troca de correspondência constante com os “familiares”. A ansiedade por este reencontro foi um dos motivos que levou a que em Dezembro do ano passado já o festival estivesse esgotado. No último dia da 12.ª edição do evento, há 55 mil pessoas à espera desse abraço.

Com o recinto todo para eles, os Pearl Jam entram em palco para revelar os primeiros presentes. Nada de exageros ou de artefactos que façam parecer que querem redimir-se de tão longa espera. Da mala tiram a tímida Low light, guardada em Yield desde 1998, para depois desvendarem um pouco mais dos planos para aquela estadia fugaz. Trazem Better man, uma recordação de 1994, de Vitalogy, e já parece nunca terem partido. Dali para a frente contaram novas histórias e recordaram o percurso trilhado até que se criasse aquela relação estreita que existe com os fãs.

No dia mais marcadamente rock do festival, os Pearl Jam foram a banda que mais atenções garantiu, mas mais houve digno de nota. Entre o lado mais negro de Seattle dos Alice in Chains, a escola de rock setentista de Jack White, a afirmação The Last Internationale e os competentes Franz Ferdinand, provou-se que este género está vivo e continua a ser capaz de reunir multidões para celebrar o som sagrado em torno da trindade distorção, ritmo e adrenalina. Ámen.

Mas nem tudo foram rosas no último dia. Os At The Drive-In, pela segunda vez em Portugal, não conseguiram reunir consensos nem um set equiparado ao apresentado na estreia em solo nacional de há um ano no Vodafone Paredes de Coura, onde deixaram bem vincado estavam ali para ser a banda da noite. Aqui, relegados para o segundo palco, quiseram deixar claro que conseguiriam tocar mais alto do que os Pearl Jam, acabados de sair do palco grande. Conseguiram fazê-lo, mas não com qualidade. O concerto serviu para afastar grande parte do público que tentava descortinar a embrulhada sonora da banda, levando-o para o palco do lado (Clubbing), onde tocavam os The Gift, e para o último concerto desta edição no palco principal.

Tarde e a más horas, era lá que tocavam os MGMT, tentando aproveitar os despojos deixados atrás de si pela banda de Seattle com quase uma hora de atraso. Só perto das 3h é que iniciaram a actuação. Não fossem o adiantado da hora e a tarefa ingrata de tocarem depois dos cabeças de cartaz e a viagem psicadélica, umas vezes negra, outras até juvenil, teria ganho outra dimensão.

Ainda assim, foi uma actuação sólida, a desta formação que na rampa que a disparava para o estrelato encontrou zonas rugosas que a retiveram mais longe da estratosfera. Há uma espécie de passo atrás na carreira dos norte-americanos, mas um passo que talvez até possa ajudá-los a recentrarem a direcção que querem seguir. Se calhar o sítio onde estão agora não lhes assenta assim tão mal. Sobretudo o material mais obscuro do recém-lançado Little Dark Age, e que remete para uma questão sem resposta: seria a isto que soariam as composições de Syd Barrett a solo, se tivesse descoberto a electrónica depois de ter deixado os Pink Floyd?

Alma, competência e distorção

De tarde, coube aos The Last Internationale  abrir o palco grande. Já passaram alguns anos desde que a banda encabeçada pela frontwoman Delila Paz tocou pela primeira vez em Portugal: desde o início da década que tem feito algumas aparições menos mediáticas por clubes de Lisboa e Porto. Em 2014, a banda passou por Oeiras para tocar neste mesmo festival, dois anos depois subiu a Coura. 

Aqui há rock'n'roll puro e duro carregado de soul – não é por acaso que os The Last Internationale tocaram uma versão de A change is gonna come, de Sam Cooke. A voz de Delila tem alma e os riffs de guitarra têm blues. Desconfiamos que a Les Paul de Edgey Pires, neto de portugueses, tem um dispositivo de memória que armazena os melhores ritmos dos mestres do som do Mississípi. Não precisa de lá ir buscar muito material. Basta, em doses certas, escolher a base correcta para lhe dar uma cara mais roqueira.

A ligação a Portugal dos norte-americanos apadrinhados por Tom Morello é longa e também de sangue. Pires actuou com a camisola da selecção e revelou que o último Soul on Fire foi gravado cá.

Pouco depois, no palco Sagres, os Marmozets sondavam o público para perceber se o post-hardcore colorido que praticam colava. Chamemos-lhe antes pop-hardcore. Estão lá os berrados e gritados vociferados por Rebecca Macintyre, alternados com vozes limpas. O agudo bem alto da vocalista confere alguma identidade aos britânicos. Estão lá também os riffs de guitarra quebrados, a bateria nervosa e os refrães esperançosos. Não descobriram ouro, mas os temas que apresentaram valem o peso de outro metal reluzente com menos valor. 

No mesmo palco, já ao início da noite, encontramos os Clap Your Hands Say Yeah. Indie rock com crescendos sónicos em direcção a ganchos pegajosos a merecer mais público, que naquela altura se organizava frente ao palco principal para receber Jack White.

Antes disso, os Franz Ferdinand já tinham feito a sua parte no mesmo palco. E foi exactamente isso, e apenas isso, que fizeram. Foram competentes. A voz de Alex Kapranos leva-nos para um universo paralelo onde o vocalista é uma espécie de filho perdido de David Byrne. O instrumental que a segura nunca foi nada de inovador, mas é certo que os escoceses conhecem bem a arte de estar em palco. Em cerca de 45 minutos deram a volta à discografia sem deixar de fora os hits The dark of the matinée ou This fire, aqui tocados num tempo mais lento.

Já Jack White, que se lhes seguiu, conhece todos os segredos do rock'n'roll. A solo, com uma base rítmica que lhe permite ganhar asas, atira-se para powerchords de origem setentista e trata-os como quer. É cru, duro e directo como o rock deve ser. A guitarra dele tem Black Sabbath, tem Led Zeppelin, tem blues, tem folk e tem uma distorção com uma sonoridade no ponto perfeito para nos transportar para esse legado, mas também para o deixar impor o seu cunho. Durante o concerto, ainda teve tempo para pôr um pé nos seus White Stripes e para tocar Seven nation army.

Da Seattle depressiva à Seattle clean

Seattle veio até Oeiras e chegou de tarde com os Alice in Chains. Se os Nirvana representavam o lado mais furioso do grunge, os Soundgarden o mais virtuoso e os Pearl Jam o mais clean, os Alice in Chains personificam o lado mais negro e depressivo do som que a Seattle da década de 1990 viu nascer.

William DuVall já chegou à banda há 12 anos e não há nada que se lhe possa apontar relativamente à função que lhe foi atribuída. Porém, é quase impossível assistir a uma actuação do colectivo sem que paire no ar o fantasma de Layne Stanley (1967-2002). As harmonias a duas vozes continuam presentes e a funcionar. Falta à voz do guitarrista Jerry Cantrell a companhia do génio com quem fazia dupla nas harmonias e a Duvall a carga depressiva que talvez o tenha conduzido à morte. Ainda assim foi um regresso ao passado feliz para revisitar temas como Them bones, Dam that river, Would?, Man in the box, Rooster ou Nutshell. Check my brain ou Hallow marcaram a parte do alinhamento relativa à fase Duvall.

A banda mais bem-sucedida da cena de Seattle, ainda no activo, só entrou em palco do Nos Alive meia hora antes da passagem para um novo dia. É conhecida a relação de proximidade que os Pearl Jam e Eddie Vedder mantêm com Portugal desde que tocaram no Dramático de Cascais há 22 anos. Desde essa altura fizeram-se votos para a eternidade, ou seja, até à banda decidir cessar funções. Os fãs portugueses aceitaram-nos como família. Faz a banda questão de dizer que é recíproco. Vedder arrisca num português lido, pois a fluência na língua é coisa que não lhe assiste.

Desde que lançaram Ten, em 1991, os Pearl Jam editaram mais nove álbuns. Brevemente sairá um novo. A discografia é longa e diversa. Porém, estão num patamar em que todos os temas de um alinhamento são hits. Atravessam duas décadas e vão de Even flow ou Jeremy, do primeiro álbum, até Mind your manners, do último, Lighting Bolt. Passam por Vs. com Daughter ou Rearview mirror, por Vitalogy e por todos os outros.

As músicas mais antigas são um corpo dinâmico e mutável. Em Black deu-se espaço para o improviso: a melodia principal de guitarra foi crescendo para sítios inesperados até chegar a Seven nation army, da banda de Jack White, que na parte final do concerto se juntaria à banda em palco.

Tocam tema novo, Can't deny me, que Vedder dedica a todas as mulheres portuguesas que sofrem de maus tratos. Diz saber que é um problema que afecta muitas mulheres em Portugal. Na mesma linha interventiva, atiram-se a uma versão de Imagine seguida de Comfortably numb, dos Pink Floyd. Como se não tivessem originais suficientes, é também com uma versão que terminam: Keep on rockin' in a free world, de Neil Young, tocada a meias com Jack White para uma plateia que tapa quase por completo o tapete verde do recinto. Pelo menos naquela noite o rock salvou o mundo. E os Pearl Jam, claro, prometeram um regresso.

Não sabemos quando voltam, mas sabemos que é certo que no próximo ano o festival que levou cerca de 165 mil pessoas a Oeiras nos últimos três dias regressa ao Passeio Marítimo de Algés. Na conferência de imprensa de encerramento do festival, o presidente da autarquia, Isaltino Morais, deu a conhecer que foi assinado um protocolo com a promotora Everything is New que assegura a realização do festival por esse período. Em 2019, o festival realiza-se entre 11 e 13 de Julho.

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