Um apetecível oásis na aridez algarvia

Em Silves e há mais de 40 anos, a Marisqueira Rui é uma referência em mariscos e peixes frescos. Num estilo bem português, e sem cedências aos gostos ou costumes dos turistas.

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Rita Rodrigues

Mesmo não estando à beira-mar plantada, é o ar do mar e a brisa marinha que atrai a clientela à Marisqueira Rui. Em Silves, à sombra do velho castelo — que foi visigodo, romano e mouro antes de lusitano —, domina o ar cálido das terras secas do interior, que nem as águas do Arade conseguem amainar com o seu débil curso, e é o aroma marinho, a frescura de peixes e mariscos e a cerveja gelada que fazem da velha marisqueira um apetecível oásis no meio da aridez.

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Mesmo não estando à beira-mar plantada, é o ar do mar e a brisa marinha que atrai a clientela à Marisqueira Rui. Em Silves, à sombra do velho castelo — que foi visigodo, romano e mouro antes de lusitano —, domina o ar cálido das terras secas do interior, que nem as águas do Arade conseguem amainar com o seu débil curso, e é o aroma marinho, a frescura de peixes e mariscos e a cerveja gelada que fazem da velha marisqueira um apetecível oásis no meio da aridez.

É assim há mais de 40 anos. Mesmo antes da massificação turística e do corrupio de veraneio que a casa é uma referência para mariscos e peixes frescos. “Somos sem dúvida uma das marisqueiras mais conhecidas e apreciadas no país e em toda a região algarvia”, assim se apresenta.

E talvez por isso seja ainda um dos raros restaurantes do Algarve que não vive da sazonalidade nem se adaptou aos gostos e costumes dos turistas. Bem pelo contrário. São eles que se afeiçoam ao estilo bem português da marisqueira, com base no produto fresco e manipulação mínima, serviço dinâmico e despachado, cerveja a copo de produção nacional e vinhos na mesma linha.

Pelos vistos, não só se adaptam como aderiram, já que não são raras as aglomerações à espera de mesa, apesar das três salas que podem acolher à vontade centena e meia de comensais.

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Rita Rodrigues

Tem também a vantagem de se situar numa rua sem trânsito, com uma esplanada que mesmo no pico do Verão consegue estar abrigada à sombra do prédio logo desde a hora de almoço.

A maresia absorve-se logo à entrada com o grande aquário que acompanha a parede onde borbulha grande variedade de mariscos. A frescura prolonga-se pelo balcão de fundo que liga as duas sala principais com as suas vitrinas a exibir peixes frescos e convidativos camarões, percebes, búzios, bruxas, lagostins e quejandos.

A cerveja jorra em permanência das torneiras instaladas no balcão e parece haver uma regra que faz com que os diligentes funcionários não deixem que alguma vez os copos fiquem vazios nas mesas. Eles repõem mesmo que não haja pedido expresso.

Para reforçar a sensação fresca, também as paredes estão forradas com cortiça a meia-altura e com prateleiras no topo exibindo algumas relíquias vinícolas, a atestar a pujança e longevidade da casa.

Mesas com toalhas de papel sobre a cobertura de algodão amarelo, ambiente simples e serviço despachado, como é timbre deste estilo de casas. Com a carta chega também cestinho com pão torrado e manteiga e um pires de maionese. Também compôs com cerveja gelada ainda antes de qualquer pedido.

A par da longa lista de mariscos, a carta oferece também uma dúzia de pratos com peixes frescos, seis “especialidades” e uma dezena de pratos de carne, onde não faltam os bacalhaus (grelhado ou cozido com grão), os bifes, costeleta e tornedó e a inevitável carne de porco com amêijoas. As doses variam entre os 12€ e os 16€.

As “especialidades”, com um tempo de preparação de meia hora e sempre em dose dupla, incluem as cataplanas (peixe ou amêijoas) e os arrozes ou massadas que podem ser de peixe, mariscos, lavagante ou tamboril com navalheira, a preços que rondam os 30€, com a excepção do lavagante, que duplica.

É claro que é sobretudo pelos mariscos frescos que a clientela ocupa o grosso dos lugares da marisqueira. A lista alonga-se por mais de duas dezenas de indicações, desfiando conquilhas, amêijoas, ostras, búzios, canilhas, camarões, perceves, sapateiras, santolas, lagosta, lagostim, cavaco, lavagante, navalheiras e as bruxas, que por aqui são baptizadas de ferreirinhas. Há de tudo, como se vê, e com preços ao quilo e há cerca de três semanas podiam ir dos 30€ (perceves) aos 100€ (lagosta).

Começamos precisamente pelas perceves, e não só pelo preço. Antes porque se mostravam fresquíssimas, com brisa marinha e resquícios de plâncton e das pedras de onde foram arrancadas. É, de facto, o mar que chega à mesa. Com os copos de cerveja gelada vieram também umas torradas com manteiga cortadas em tiras, daquele pão macio/maçudo e adocicado que deveria ser banido das mesas portuguesas. E tão bom pão rústico há ainda pelo interior do Algarve!

Saciada a sede com a frescura passava a ser uma questão sabores e a escolha do envolvente Kompassus Blanc de Noirs, um dos grandes embaixadores dos espumantes da Bairrada, assentou na perfeição com os sabores simples e naturais do que estava para vir.

Primeiro, com a natureza marinha de uma sapateira e seu recheio, de cozedura e sapidez irrepreensíveis. Seguiram-se uns camarões médios abertos em dois e grelhados, com alho e manteiga e um molho picante que é servido à parte. A satisfação ia claramente em crescendo e atingiu o topo com um garboso carabineiro suado, a brilhar de desejo na sua cor púrpura. Carnes firmes e delicadas com textura definida e sabores espevitados por molho frutado, limonado e levemente picante que envolvia o palato. Sorveu-se até à ínfima parte com completa satisfação e aprovação.

Houve oportunidade ainda para constatar a qualidade e boa execução do arroz de mariscos. Com abundância de mariscos frescos, incluindo lingueirão, e o aroma e goma inconfundíveis do grão carolino. É assim mesmo!

Para fechar, como é de tradição nas mais populares marisqueiras, o prego do lombo (6€) frito na frigideira com alho e azeite. Carne de excelência e execução perfeita para um final em grande.

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Rita Rodrigues

Nas sobremesas, não podia faltar o algarvio D. Rodrigo (2,75€), que mereceu também nota alta, a par de outros doces regionais e ainda alguns queijos nacionais. Não fazia mesmo falta nenhuma o complemento de horrores gelados que é oferecido de forma autónoma numa daquelas listas plastificadas. As crianças gostam, é certo! Mas não somos obrigados a fazer-lhes mal!

Percebe-se, pois, que esta Marisqueira Rui se apresente como uma das mais apreciadas no país e na região algarvia. Não só pela variedade e qualidade dos mariscos, mas também pela cozinha simples e natural como os prepara e serve.

Numa região onde reina a descaracterização, louve-se também o serviço simpático, eficiente e atencioso e a matriz de tradição portuguesa e popular. Também por isso reforça a sensação de saboroso e apetecível oásis.