Uma imponente festa nordestina nos coliseus

Alceu Valença, Elba Ramalho e Geraldo Azevedo conquistaram o Coliseu de Lisboa com a celebração dos 20 anos d’O Grande Encontro. Uma imponente festa nordestina. Na primeira parte actuou o pernambucano Almério.

Concerto de rock, Cantor e compositor, Cantando, Teatro musical
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Alceu, Elba e Geraldo DEWIS CALDAS
Matthieu Chedid, Concerto, Cantor e compositor, Cantando
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Alceu e Geraldo DEWIS CALDAS
Concerto de rock, teatro musical, música
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Geraldo a solo DEWIS CALDAS
Concerto de rock, Guitarrista, Cantor e compositor, Teatro musical, Instrumento de cordas dedilhadas
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Geraldo e Elba DEWIS CALDAS
Arena
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Elba a solo DEWIS CALDAS
Matthieu Chedid, Concerto rock, Cantor e compositor
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Alceu e Elba DEWIS CALDAS
Concerto de rock
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Alceu a solo DEWIS CALDAS
Concerto de rock
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Alceu, Elba e Geraldo DEWIS CALDAS

Quem vira o DVD já imaginava ao que ia. E quem programou o espectáculo também: os bilhetes para o Coliseu de Lisboa eram de preço único (com acesso a qualquer ponto da sala) e as cadeiras da plateia foram retiradas, para em seu lugar ser improvisada uma pista de dança. Mas uma coisa é ouvir e ver um vídeo, outra é sentir o apelo e a força que um espectáculo como O Grande Encontro tem ao vivo, capaz de “abanar” uma sala. Mesmo assim, convém fazer uma ressalva: o espectáculo que desde 2016 comemora ao vivo os 20 anos do Grande Encontro original, reunindo Alceu Valença, Elba Ramalho e Geraldo Azevedo (Zé Ramalho, que participou nos três anteriores, desta vez não quis), não tem paralelo com as sessões de suada aeróbica a que nos habituaram cantoras como Ivete Sangalo ou Daniela Mercury, é uma outra coisa, mais refinada; um apanhado de ritmos e estilos nordestinos que apelam à dança mas também ao intelecto, num desfile por onde passam o baião, o frevo, o maracatu, a ciranda, a embolada, o xote, numa rica diversidade de géneros que excita os sentidos e também conforta a alma. Há neles um brilho genuíno que teima em não ceder à tentação da frivolidade, um sentido das raízes e das heranças mais celebradas (Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Dominguinhos) que de algum modo nos conduz a um enquadramento histórico dos seus percursos.

Porque Alceu, Elba e Geraldo mantêm vivas, desde há décadas, carreiras individuais, servindo este reencontro para celebrar a força da música nordestina e dos seus autores. O Grande Encontro 20 anos difere, essencialmente, do primeiro (gravado no Canecão, em Julho de 1996) em dois pontos: onde este era totalmente acústico, vozes e violões, sem cenário pré-concebido, o actual ganha o peso e a força acústica e eléctrica de uma banda de sete elementos, acrescida de cenários coloridos e visualmente sumptuosos; e onde o primeiro era juvenil e transpirava leveza, exibe este uma madura vitalidade.

No Coliseu de Lisboa, onde muita gente dançou alegremente (na plateia ou mesmo nas bancadas) ao longo da noite, o alinhamento distanciou-se muito pouco do que foi registado no DVD gravado no Brasil em 2016 (e já disponível nas lojas portuguesas). Começou com Anunciação, desde logo num ambiente de festa, e seguiu o roteiro sem dele se afastar, com Caravana, Me dá um Beijo, Sabiá (tema imortal de Luiz Gonzaga, como imortal é um outro Sabiá, o de Tom Jobim), Papagaio do Futuro, Coco das Serras, Moça bonita, Sétimo céu, Dona da minha cabeça e Dia branco. Primeiro com os três cantores em palco, depois só com Alceu e Geraldo e por fim com Geraldo a solo. Geraldo que, sem ser tão efusivo quanto os seus companheiros desta aventura, cativa plateias com a sua voz envolvente e a profundidade musical e poética das suas canções. Neste sentido, O Grande Encontro é também um espectáculo múltiplo, em trio, duos ou a solo, assomando cada um dos protagonistas à ribalta, à vez. Foi com Sabor colorido que Geraldo cedeu a Elba o protagonismo, juntando-se-lhe em Bicho de 7 Cabeças, Chorando e cantando e O Princípio do Prazer, todas canções com a sua assinatura. Depois ficou Elba a solo, brilhando (e com que voz, já refeita de uma infecção que a tolhera nas vésperas) em temas como Chão de giz, Ai que saudade d’ocê ou o medley nordestino Na base da chinela, Qui nem jiló e Eu só quero um xodó, celebrando a um só tempo Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga e Dominguinhos, os respectivos autores. Foi uma interpretação electrizante, desde o primeiro tema, chegando Elba a descer à plateia para cantar no meio do público, obtendo deste uma atenção calorosa e vibrante.

Depois foi a vez de Elba passar o testemunho a Alceu, cantando juntos Ciranda da Rosa Vermelha, e ficando cada qual a agitar um shaker enquanto o outro solava. Quando Alceu se apropriou do palco, começou por um tema (ausente do alinhamento brasileiro) que dirá mais a Portugal do que ao Brasil, até porque foi composto em Lisboa e com várias referências locais: Loas de Lisboa. Vale a pena citar uma parte: “Ao pé de uma praça/ Chamada alegria/ Havia uma rua/ Que responderia/ O porquê dessa chuva/ Sem filosofia,/ A grande verdade/ É que a chuva chovia/ A grande verdade/ É que a chuva nascia/ Na rua Mãe d’Água/ Depois se expandia/ lavava Lisboa/ E me comovia.” Alceu, agitador nato, fez então desfilar alguns dos seus temas “fatais”, aqueles que arrebatam plateias logo aos primeiros acordes: La Belle de Jour, Girassol, Como dois animais, Coração bobo, Cabelo no pente e Tropicana. Com a festa no auge, e já com Elba e Geraldo regressados ao palco, interpretaram os três, e com a banda a todo o gás, Táxi lunar, Pelas ruas que andei, Banho de cheiro e Frevo mulher, esta última criação de Zé Ramalho e forma de o trazer a um palco português, mesmo que fisicamente ausente.

Celebração musical e cultural nordestina, apologia de um apelo dançante que não rejeita (pelo contrário) o envolvimento cerebral, O Grande Encontro abraçou Lisboa com o calor que o fez nascer e renascer no Brasil. Chegou tarde? Mas chegou em boa hora.

P.S.: – Na primeira parte do espectáculo, actuou Almério, cantor e actor pernambucano que já abrira O Grande Encontro no Rio de Janeiro em 2017. Com 37 anos e dois discos editados (Almério, 2013; e Desempena, 2017), Almério faz lembrar, em palco, um misto do Roger Daltrey do início dos The Who (tronco nu e uma casaca de peles ou tiras) com um émulo de cantores como Ney Matogrosso ou Filipe Catto (pela androginia da voz e da pose, embora longe destes), parecendo ainda alguém que está mais a “fazer género” do que a procurar uma voz distinta no já muito plural panorama brasileiro. Próximo do rock e da performance, decerto pela via teatral, Almério apresentou no Coliseu várias canções do seu repertório, como Trêmula carne, Segredo, Queria ter pra te dar ou Por que você, a par de uma versão pouco apelativa de Fado tropical, de Chico Buarque. A ter em atenção, na sua evolução futura. Ainda em Portugal, Almério vai participar, com o seu grupo, no festival Mimo, em Amarante, no dia 21 de Julho, às 20h.

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