Médicos de família fazem em média 21 consultas por dia

O Governo quer chegar ao final deste ano com apenas 4% da população sem médico de família. Nos próximos anos será finalmente possível assegurar a cobertura a nível nacional, mas os médicos de família querem que a sua lista de utentes diminua.

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Há locais onde alguns clínicos chegam a ter mais de 2500 utentes Fábio Teixeira (arquivo)

Um médico de família faz, em média, 21 consultas por dia. São cerca de 4400 consultas por ano e uma lista com 1900 utentes “não cabe nesta métrica”, pelas contas do presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), Rui Nogueira. “É como pôr um pé 42 num sapato 40.” Quando um médico fica com mais de 1700 utentes, a situação torna-se “muito complicada”.

No final de 2017, havia mais de 700 mil cidadãos sem médico de família atribuído, apesar do significativo aumento de cobertura nos últimos anos. Em 2010, eram quase 1,6 milhões os portugueses sem clínico assistente nos cuidados de saúde primários — a porta de entrada no Serviço Nacional de Saúde. Os sindicatos e a APMGF têm insistido na necessidade da diminuição do número de utentes por médico. Esta é, aliás, uma das reivindicações que sustenta sucessivas greves da classe.

Mas o Governo, cujo objectivo é chegar ao final deste ano com apenas 4% dos cidadãos sem médico de família, recusa-se a diminuir a lista enquanto não estiver assegurada a cobertura a nível nacional. No ano passado, foram realizadas nos velhos centros de saúde perto de 30,7 milhões de consultas médicas, um número quase idêntico ao de 2016. E já há vários locais com consultas de saúde oral e rastreio visual, na sequência de projectos-piloto.

Quando a troika chegou a Portugal, os médicos aceitaram listas desta dimensão, num horário de 40 horas semanais, recebendo por isso mais dinheiro. “Mas foi uma atitude generosa pensada para ser transitória”, diz Rui Nogueira, inconformado porque a reforma dos cuidados de saúde primários, lançada há 12 anos, está “escandalosamente parada”.

“Aceitamos ficar com listas de 1900 utentes em 2009, mas foi num contexto de falta de médicos e isso mudou. Pela primeira vez, o número de médicos de família vai ser suficiente, no horizonte de três anos”, acentua também Bernardo Vilas Boas, ex-presidente da Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiar (USF –AN).

Espalhados pelo país, há médicos de família com muito mais utentes e unidades ponderadas (as crianças e os idosos contam a dobrar, porque tendem a precisar de mais cuidados). Há locais onde alguns clínicos chegam a ter mais de 2500 utentes correspondentes a mais de três mil unidades ponderadas. “São casos excepcionais”, afirma Rui Nogueira — médicos que herdam transitoriamente utentes de colegas que se aposentaram, ou pequenas extensões de saúde onde não existe outro profissional, exemplifica.

Numa altura em que faltariam cerca de 300 unidades de saúde familiar e perto de 600 clínicos para assegurar a cobertura do país com USF — pequenas equipas de médicos, enfermeiros e secretários clínicos que se constituem voluntariamente e funcionam com um modelo de gestão participada —, Rui Nogueira lamenta a “iniquidade que se criou”. “O país está dividido [entre as USF e as unidades de cuidados de saúde personalizados, modelo tradicional dentro dos centros de saúde] e isso significa desigualdade e provoca problemas”, corrobora Bernardo Vilas Boas.

Argumentar com a falta de médicos já não faz sentido, afirma Nogueira. O pico de aposentações que se perspectiva para os próximos anos (até 2022) poderá ser agora compensado pelas entradas massivas de internos. “É uma janela de oportunidade para redimensionar a lista de utentes. Serão anos cruciais”, diz o presidente da APMGF. Cruciais, em especial, para regiões como a de Lisboa e Vale do Tejo, onde, nas palavras de Bernardo Vilas Boas, se impunha uma espécie de “plano de catástrofe”: aqui há cerca de meio milhão de utentes sem médico de família.

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