Um ofício raro

Bons professores criam excelsas personalidades, desejosas de contribuir para a construção de uma sociedade mais inclusiva e igualitária e, nos tempos que correm, é mais necessário do que nunca.

Foto
NELSON GARRIDO

Numa altura em que o papel do professor é tão discutido, defeitos são apontados e qualidades são, infelizmente por escassos, ainda registadas, não poderia deixar de enfatizar o papel do professor enquanto artesão.

Um professor, um bom professor, aquele que permanece na memória dos alunos ad  aeternum, é aquele que é capaz de “moldar” o aluno, de desenvolver as suas capacidades e potencialidades ao máximo e, acima de tudo, que vê para além do momento presente. Quando recebe um aluno, após algumas aulas, independentemente de critérios, avaliações ou outras burocracias, tem a capacidade de saber como “trabalhá-lo” para que o rendimento do mesmo seja máximo e as eventuais limitações se transformem em estímulos e não em fonte de desmotivações. Um bom professor preserva a individualidade de cada aluno e respeita-o como um igual. Um bom professor é persistente, cauteloso e adapta-se e adapta os seus métodos de ensino à realidade dos seus alunos: é dinâmico, criativo, crítico e paciente, sem nunca descurar a exigência e a excelência no desempenho da sua missão. É também curioso e actualizado, disposto a aprender com aqueles a quem ensina.

Mais do que 25 alunos para ensinar, tem na sala de aula 25 indivíduos com ritmos e formas de raciocinar distintas, o que envolve não só muita “ginástica mental” mas também uma enorme inteligência emocional para lidar com a diversidade em causa. Paralelamente, o artesão trabalha o barro calmamente e tem consciência, desde o início, que aquela argila que tem à sua frente se transformará em algo fenomenal, se bem trabalhada, se lapidada e moldada com a experiência que só um artesão dedicado e apaixonado consegue.

Efectivamente, o que diferencia um bom professor dos seus pares é a paixão com a qual se entrega à profissão, a aposta que faz nos alunos, ainda que estes, por vezes, não apostem nele... Arrisca, de modo exímio, estratégias de ensino inovadoras, desafia dogmas e burocracias infindáveis e coloca sempre o bem-estar e a aprendizagem do aluno em primeiro lugar, apesar da desvalorização da qual é alvo por parte da sociedade civil e, frequentemente, dos próprios alunos. Note-se a resiliência...

De facto, em Portugal, o número de artesãos está a diminuir drasticamente com a massificação dos variados bens de consumo, entre os quais peças de joalharia ou decoração de interiores. Da mesma forma, os professores, os bons professores, aqueles que se assemelham aos artesãos referidos, estão também em vias de extinção. São as “trilobites dos tempos modernos”. Como publicado e discutido na comunicação social, os bons alunos não querem ser professores. Porque será? Porque os modelos que tiveram no decorrer dos 12 anos de ensino obrigatório não foram os melhores? Porque as perspectivas de construir carreira são mínimas e enfadonhas? Porque é uma profissão desvalorizada na sociedade? Porque as regalias são escassas comparativamente com os deveres e obrigações? 

Da mesma forma, a pergunta “Porque é que a figura do professor perdeu o prestígio com o decorrer dos anos?” deverá ser levantada e discutida, na medida em que a educação é o pilar de qualquer sociedade. E se o papel do principal veículo de conhecimento é colocado em causa, considero que se torna urgente a discussão dos objectivos do sistema de ensino português e o meio para os atingir.

Gostaria de ressalvar que não está aqui em causa qualquer desumanização do mesmo. Porém, um bom professor constitui uma ferramenta para o sucesso do determinado grupo de alunos pelo qual é responsável. Tal como o artesão é um veículo para a construção de uma peça, de uma obra de arte, cabe ao professor transmitir o conhecimento, explicar as suas aplicações ao quotidiano e permitir a compreensão das matérias leccionadas da parte dos alunos. Para além de que estimula o seu pensamento crítico e crescimento enquanto ser humano equilibrado e sensibilizado em relação à sociedade na qual se insere. Não será esta a verdadeira obra de arte?

Não nos podemos esquecer que o melhor cientista, o melhor atleta e o melhor académico têm algo em comum nos seus percursos: indivíduos que os inspiraram a superaram-se a si próprios e que, mais importante do que qualquer outro acto, que confiaram e acreditaram, por vezes, com várias razões para não o fazerem, que aquele aluno seria capaz de algo de extraordinário. Bons professores criam excelsas personalidades, desejosas de contribuir para a construção de uma sociedade mais inclusiva e igualitária e, nos tempos que correm, é mais necessário do que nunca.

Nos dias que correm, embora possa não ser economicamente possível satisfazer as regalias às quais os professores têm direito, é fundamental que, em alturas de crise como estas, estes recordem, carinhosamente, as razões que, há alguns anos, os levaram a enveredar pelo ensino e que, simultaneamente, se lembrem de todos os alunos que os admiram e guardam na memória as suas aulas, conselhos e excelência. Ad aeternum.

Sugerir correcção
Comentar