Idade registada e idade biológica: os 16 anos de Gebrzihair nos Mundiais de sub-20

Fundista etíope consta dos registos da IAAF como tendo nascido em 2001, mas as fotos da prova estão a levantar suspeitas.

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A discussão não é nova no universo do desporto e voltou nesta quinta-feira à baila a reboque da etíope Girmawit Gebrzihair. A fundista africana terminou na terceira posição a prova de 5.000 metros nos Mundiais de atletismo de sub-20, que decorrem em Tampere, na Finlândia, despertando atenções que se estendem ao bilhete de identidade. Tudo porque as fotos da competição desencadearam uma discussão sobre a idade da atleta, que, segundo a Federação Internacional das Associações de Atletismo (IAAF), tem 16 anos.

A julgar pela ficha da fundista que consta dos registos da IAAF, Gebrzihair terá nascido a 21 de Novembro de 2001, perfeitamente dentro dos limites impostos pelos regulamentos para a participação numa prova de escalões jovens. As fotos da corrida de 5.000 metros reveladas nas redes sociais nesta quinta-feira levantaram, porém, uma onda de dúvidas sobre o rigor da data e sobre a capacidade das instâncias desportivas para verificarem a veracidade da informação constante dos perfis dos competidores.

Em Tampere, a etíope arrecadou a medalha de bronze, com a marca de 15m35,01s, tendo sido somente superada pela queniana Beatrice Chebet (18 anos) pela compatriota Ejgayehu Taye (18 anos também). A primeira prova de Girmawit Gebrzihairda da qual a IAAF tem registo é, de resto, bastante recente: aconteceu há cerca de um ano, em Adis Abeba, onde a atleta conseguiu percorrer 10.000 metros em 32m33s.

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A estranheza relativamente à idade de Gebrzihair envolveu também outros atletas presentes nos Mundiais, como é o caso do espanhol Óscar Husillos, que nas redes sociais usou da ironia para descrever a participação da etíope. "Os seus filhos/netos nas bancadas a vê-la correr num Mundial de sub-20", escreveu o velocista.

De acordo com os regulamentos da IAAF, e em particular com o ponto dois do artigo 141, que se debruça sobre escalões etários, um atleta "deve ser capaz de fornecer provas da sua idade através da apresentação de um passaporte válido ou outro elemento de prova que obedeça aos regulamentos da competição". "Um atleta que não seja capaz ou não queira fornecer essa prova não será elegível para competir", acrescenta o documento.

A verdade é que, ao longo dos anos, tem sido questionada a capacidade do organismo que rege o atletismo de verificar os dados fornecidos pelos diferentes atletas. Até porque a utilização de documentos fraudulentos é uma realidade identificada em alguns países com tradição na modalidade, incluindo a Etiópia. A esse respeito, um relatório publicado a 28 de Julho de 2016 pelos serviços de imigração do Canadá dava conta da ausência de um formato único para os documentos de identificação, alertando para um maior risco de adulteração dos dados quando a emissão é feita a nível distrital. 

Com base em informação disponibilizada pela Organização Internacional para as Migrações, estas emissões "tornam muito difícil verificar a veracidade dos documentos", sendo que existem também dados que apontam para "subornos ao nível das entidades distritais" com o intuito de adulterar a idade dos cidadãos. "Não há um certificado nacional de nascimento no país e, por isso, é muito difícil para o os serviços de imigração verificarem a idade real dos subscritores dos passaportes", acrescenta o Fórum para os Estudos Sociais, uma ONG (organização não governamental) da Etiópia.

Que vantagem obteria uma atleta supostamente mais velha ao entrar em competição com adversárias mais jovens? A resposta pode não ser linear, mas há pistas que ajudam. Se, por um lado, para percursos mais longos (dos 5.000 metros em diante) é necessária uma maior maturidade, por outro a vontade de fazer do atletismo vida, mesmo numa fase mais tardia, pode sobrepor-se ao resto. Até porque não é fácil convencer um treinador de elite a aceitar um atleta que já tenha passado a barreira dos 20 anos sem um percurso sólido na modalidade até então.

E se a discussão continua a ser alimentada nas pistas de atletismo, a verdade é que se alarga a muitas outras modalidades e a palcos como os Jogos Olímpicos (a ginástica é, neste particular, terreno fértil para especulações). Por outro lado, na Índia, por exemplo, vigora um Código Nacional contra a Fraude Etária no Desporto, uma espécie de documento de boas práticas que as federações devem seguir para poderem beneficiar de apoios estatais. E na FIFA há muito que foi apertado o crivo a possíveis prevaricadores, recorrendo a um método de verificação que não é consensual mas que continua a ser utilizado: as ressonâncias magnéticas aos pulsos para aferir do crescimento ósseo e ajudar a concluir se um jogador está acima da barreira dos 17 anos.

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O caso de Girmawit Gebrzihair está longe de ser o primeiro a gerar polémica e dificilmente será o último, ainda que as instâncias desportivas internacionais não escondam algum desconforto com o tema. O PÚBLICO contactou, a propósito desta controvérsia, a IAAF, a organização dos Mundiais de sub-20 de Tampere e a Federação de Atletismo da Etiópia, mas ainda não obteve respostas.

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