Correr o mais depressa possível, sem sair do mesmo lugar

O Ministério da Ciência apostou neste cavalo de batalha talvez por convicção, mas também porque é mais “fácil” do que qualquer verdadeira reforma, e estamos quase em 2019.

Toda a gente deveria estar de acordo que o abuso do estatuto de bolseiro consiste em exploração (mal) dissimulada. Teria de haver uma solução, houve uma má solução. Porque imposta de supetão, sem diálogo sério, e com um discurso hábil por parte da tutela, abordando as questões consoante os públicos. E há algumas coisas desagradáveis que era bom serem referidas. Sem pretender ser exaustivo:

– O emprego não é o maior problema da ciência em Portugal. A (im)previsibilidade sim. Mas claro que não o é para mim (que o tenho), sê-lo-á muito mais para quem o não tem como gostaria.

– Deveriam acabar as bolsas, e haver concursos sérios para contratos. Com mecanismos para ressarcir bolseiros que tenham sido injustiçados, mas não consigam ganhar um contrato de maneira competitiva. Não tentar resolver transformando bolsas em contratos. É uma boa intenção, mas nasceu torta, e dificilmente deixará herança direita.

– Como em todas as profissões nem todos os investigadores são excelentes. E, se todos podem ser úteis, poucos são imprescindíveis.

– Ter tido (ou não) uma bolsa não é só mérito individual. Um bom investigador pode não ter sucesso porque escolheu mal a instituição ou os supervisores. E o contrário é também verdade.

– No contexto atual alguém sairá prejudicado disto tudo, e não serão necessariamente os menos capazes, sejam eles indivíduos ou instituições.

 – Não há sistema de emprego científico em Portugal, englobando academia, indústria, carreiras em comunicação, gestão ou outras que absorva todos. Nada de novo, um dos objetivos de Mariano Gago era esse mesmo: forçar evolução de modo a poder selecionar excelência; o subemprego como consequência indireta.

– Infelizmente esse sistema não se cria por decreto, nem com integração maciça periódica e semiforçada em instituições; mas com um plano concertado para mudar essas mesmas instituições, e que nunca ninguém quis ter. Senão os precários de hoje poderão muito bem ser os caciques de amanhã.

– As soluções em cima da mesa apenas resolvem alguns problemas individuais (digo eu, que, repito, não tenho um desses problemas; tenho outros).

– A tutela apostou neste cavalo de batalha talvez por convicção, mas também porque é mais “fácil” do que qualquer verdadeira reforma, e estamos quase em 2019.

– Em política nada é linear. Em ciência é (apesar de tudo) um pouco mais. Falta, no fundo, aplicar aqui pensamento científico. Ver o que é, não só justo, mas sustentável, admitir o que se pode (ou não) fazer, e fazê-lo de forma racional. Ainda não vi isso acontecer muitas vezes.

O autor segue o novo Acordo Ortográfico

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