O sistema científico e tecnológico nacional e o nosso futuro

Polémicas há muitas, mas vontade de mudar é outra coisa.

O momento que vivemos é particularmente conturbado. Por um lado, assistimos às greves dos professores que afetam a vida dos alunos até ao 12º ano. Por outro, assistimos às manifestações de desagrado de bolseiros de pós-doutoramento que gostariam de ser integrados nos quadros do Estado.

Em primeiro lugar, convém compreender que um Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN) é algo de fundamental – principalmente para um País como Portugal – e como tal deve ser robusto e sustentável (no tempo …!). Acontece que sustentabilidade e robustez são precisamente as duas principais lacunas do nosso SCTN.

Como inverter esta situação? Como criar um novo ímpeto, uma nova motivação, nas escolas, universidades, politécnicos, laboratórios do Estado, institutos e centros de investigação?

Para abordar com seriedade estas questões, temos de reconhecer que a atual situação está inundada de burocracia desnecessária e de uma teia urdida ao longo de praticamente um século. Basta recordar as vicissitudes de algumas instituições portuguesas de referência, entretanto extintas, como o Instituto Nacional de Investigação Industrial (que funcionou entre 1957 e 1979), a Junta de Energia Nuclear (1954-1979) e o Instituto Nacional de Investigação Científica (1976-1992). Hoje, a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) é a principal agência financiadora da investigação em Portugal, na dependência do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Mas, existem – ou deveriam existir – outras fontes de financiamento para alimentar e garantir a sustentabilidade no tempo do SCTN … Desde logo, e em primeiro lugar, o Orçamento de Estado nas várias fatias atribuídas às instituições. Depois, há toda uma panóplia de fontes suplementares de financiamento ao dispor das instituições (por exemplo: programas da União Europeia e outros programas internacionais, contratos de investigação e captação de verbas por prestação de serviços a clientes, participação em projetos da Agência Nacional de Inovação, etc.)

A situação em Portugal tem as suas particularidades – e também algumas originalidades – pelo que seria aconselhável organizarmos nós próprios a nossa casa sem decalcomanias, nem interferências de agentes menos comprometidos com o nosso futuro.

A experiência que tenho vivido numa grande instituição de ensino superior que é o Instituto Superior Técnico, onde ingressei como aluno em 1971 e na qual me mantenho como docente e investigador, leva-me a ser um defensor acérrimo de uma reforma profunda nas formas de organização, funcionamento, competência dos seus órgãos e, ainda, sobre o modo de fiscalização pública do Estado sobre as mesmas.

Os docentes, investigadores, bolseiros e técnicos de investigação, precisam de se concentrar na execução das tarefas para as quais possuem efetivamente competências muito próprias. Não é sério, e muito menos rentável, que pessoal doutorado e outros profissionais altamente especializados se ocupem sistematicamente do preenchimento de impressos e questionários e da realização de tarefas administrativas, muitas delas obrigando a acompanhamento atento e demorado. A multitude de organismos a que o mesmo docente/investigador pode estar afeto (no mínimo existe uma separação formal entre departamento académico e unidade de investigação) não contribui para uma boa gestão, quer de tempos, quer de dinheiros.

As polémicas sobre o modo como as instituições de ensino superior encontraram ao longo dos anos caminhos para contornar a lei vigente, não passam disso mesmo: polémicas. Polémicas há muitas, mas vontade de mudar é outra coisa.

Como um artigo de opinião deve exprimi-la de modo claro e bem resumido, aqui vão os três princípios em que a reforma deveria assentar:

(1) As entidades do SCTN (e em particular as universidades e os politécnicos sobre a tutela do Estado, mas também os laboratórios do Estado) não podem estar sujeitas à burocracia normalmente imposta às outras instituições públicas. A fiscalização do cumprimento do regime específico pode ser efetuada pela Autoridade Tributária de modo eficaz, evitando perdas de tempo desnecessárias e desmotivadoras.

(2) Uma vez eliminada a burocracia atrás referida, não há necessidade de “contornar” a lei e, por consequência, muitas das atuais estruturas e organizações paralelas (referidas em artigos recentes no PÚBLICO pelo deputado Luis Monteiro e pelo presidente do IST) passariam a ser redundantes e inúteis.

(3) Sem que haja qualquer imperativo de coartar a liberdade de associação, a dicotomia ou separação formal existente entre unidades académicas e unidades de investigação, quando envolvendo as mesmas pessoas, deve ser combatida em vez de ser fomentada.

Docência e investigação são atividades indissociáveis na vida dos estabelecimentos de ensino superior, pois a sua missão é “manter atualizados e desenvolver os conhecimentos culturais e científicos e efetuar trabalhos de investigação, numa procura constante do progresso científico e técnico e da satisfação das necessidades sociais”.

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