Trump atacou Merkel e defendeu gasto de 4% na defesa para países da NATO

Para o Presidente dos EUA falar das contribuições insuficientes dos aliados é um prato requentado. Por isso intruduziu um novo elemento desestabilizador: falou de gastos ainda maiores. Acusou a Alemanha de "dar milhões" à Rússia e apagou as "boas notícias" de Stoltenberg.

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Trump com Jens Stoltenberg e Alexis Tsipras na cimeira da Aliança Atlântica CHRISTIAN BRUNA/EPA

Nem luvas brancas, nem panos quentes e muito menos falinhas mansas: como se esperava, e temia, o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, chegou à cimeira da NATO, em Bruxelas, disposto a aplicar um tratamento de choque aos seus parceiros e aliados, que foram acusados de não pagarem as suas contribuições para o orçamento comum e estarem a aproveitar-se dos vastos recursos militares da América, ao mesmo tempo que “pagam milhares de milhões de dólares” à Rússia. “E depois nós temos de nos defender da Rússia. Isto não é normal”, atirou.

Tendo em conta que Donald Trump tem a pairar sobre a sua cabeça o espectro de uma investigação doméstica às alegadas ligações entre a sua campanha presidencial e agentes ligados ao Kremlin, e que a reunião da Aliança Atlântica ocorre na sombra do seu encontro a sós com o Presidente Vladimir Putin, na segunda-feira em Helsínquia, a referência à Rússia logo à entrada apanhou todos desprevenidos — essa era, afinal, uma discussão que, pela sua delicadeza, estava reservada para o jantar entre os líderes, no Museu Real de Arte e História, no parque do Cinquentenário de Bruxelas.

Mas Trump tem a delicadeza própria. Assim, verdadeiramente, o que causou surpresa (e até incredulidade) foi a agressividade das críticas de Donald Trump à Alemanha, que se tornou o alvo preferencial dos seus ataques. Desta vez, o Presidente norte-americano focou a sua atenção no gasoduto Nordstream-2 — que atravessa o Mar do Norte da cidade russa Vyborg até ao Greiwsfald, na Alemanha —, para argumentar que o Governo de Berlim está “cativo” dos interesses da Rússia, por causa do fornecimento de energia barata. 

“A Alemanha está prisioneira da Rússia porque importa de lá uma grande parte da sua energia”, afirmou Donald Trump logo pela manhã. Num pequeno almoço com o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, prosseguiu: “A Alemanha tem quase 70% do país sob controlo da Rússia por causa do gás natural. Vão dizer-me que isto é apropriado? Não percebo como é que puderam deixar isto acontecer”, questionou. Na verdade só 9% da energia gasta na Alemanha chega a através do gasoduto Nordstream-2. 

Para vários analistas, a estratégia do líder norte-americano era óbvia: como sempre faz, Trump aproveitou o “incómodo” de alguns dos países aliados com o projecto do Nordstream-2, e usou o oleoduto como um instrumento para cavar divisões e provocar danos na frente unida da NATO (e também na imagem da Alemanha).

A chanceler Angela Merkel, que por regra mantém o sangue frio perante as provocações de Trump, desta vez não resistiu: numa reacção firme e pessoal às palavras do Presidente dos EUA, Merkel lembrou que experimentou pessoalmente “o controlo soviético sobre parte da Alemanha” e por isso se sentia tão “feliz” com a liberdade que vive no seu país — liberdade essa que lhe permite “conduzir as suas próprias políticas com total soberania e tomar decisões de forma independente”.

Numa breve conferência de imprensa após um encontro bilateral, foi indisfarçável a tensão e animosidade entre Trump e Merkel, apesar de o Presidente dos EUA ter dito aos jornalistas que tem uma “tremenda relação” com a chanceler alemã, e esta ter acrescentado que estava satisfeita por “poder continuar o intenso diálogo” entre os dois países. 

2% não chega

Os reparos à subserviência da Alemanha face à Rússia foram só o aperitivo no cardápio que Donald Trump trouxe para servir em Bruxelas. A principal mensagem do líder norte-americano, de que a repartição de custos e responsabilidades entre os membros da NATO não é justa, já é um prato requentado, e por isso desta vez Trump carregou no tempero. Como na cimeira do ano passado, reclamou que os parceiros dos Estados Unidos comecem a pagar mais para a defesa comum — e por mais, Trump entende que devem reservar 4% do Produto Interno Bruto para a despesa militar, em vez dos 2% que foram inscritos como objectivo no comunicado final da cimeira do País de Gales, em 2014.

Com o dedo no Twitter, na curta viagem entre o quartel-general da NATO e o parque do Cinquentenário, Trump manteve-se na ofensiva. “De que serve a NATO se a Alemanha paga à Rússia biliões de dólares por gás e energia? E porque é que só cinco dos 29 países cumpriram o seu compromisso? Os Estados Unidos pagam pela protecção da Europa e depois perdem milhões nas trocas comerciais. Têm de pagar 2% do PIB IMEDIATAMENTE, não em 2025”, escreveu, misturando com maiúsculas alhos e bugalhos.

“O que concordamos foi um aumento do investimento até 2% do PIB. Devemos concentrar-nos nisso, até porque ainda não chegamos lá”, sublinhou o secretário-geral da NATO, na conferência de imprensa após o encerramento da (conturbada) reunião do Conselho do Atlântico Norte. Stoltenberg recordou que, até à assinatura desse compromisso em Gales, os países da NATO tinham passado anos a cortar no orçamento militar. “A realidade é que os cortes acabaram e todos os aliados aumentaram as respectivas contribuições. Todos estão a desenvolver os seus planos nacionais para se certificarem que o objectivo é cumprido”, afirmou.

“Invertemos a tendência”, frisou o norueguês que dirige a NATO, acrescentando que em 2017 a Aliança viu o maior acréscimo em despesa militar de sempre e que até 2024 se prevê um aumento de 266 mil milhões de dólares no orçamento da defesa. Mas nenhuma das “boas notícias” que Stoltenberg trazia para a conferência foram capazes de disfarçar os estragos feitos por Trump, que não deu a mínima hipótese aos líderes aliados de exercitar os seus poderes de persuasão.

No seu encontro, os 29 chefes de Estado e de governo da NATO aprovaram todas as propostas na agenda, dando luz verde à adaptação da estrutura de comandos da aliança (um novo comando conjunto para o Atlântico, em Norfolk, nos EUA; um novo comando de natureza logística terrestre em Ulm, na Alemanha; e um novo centro operacional para a guerra cibernética, em Mons, na Bélgica); à Iniciativa de Prontidão que prevê a mobilização, na Europa, em 30 dias, de 30 batalhões, 30 grupos de navios e 30 esquadrões aéreos norte-americanos; e ao lançamento de uma nova missão de treino no Iraque, que será liderada pelo Canadá.

Também concordaram em convidar formalmente o Governo de Skopje a iniciar imediatamente as negociações para a adesão da Macedónia, que pode tornar-se o 30.º membro da Aliança assim que ficar resolvida a questão da mudança de nome.

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