Deveríamos ou não agradecer a invenção do telefone?

O pior dos medos é o isolamento. O pânico de todos os pais quando percebem, estando certos ou errados, que os smartphones e tablets da vida estão a roubar tempo à família.

A pergunta na realidade não devia ser esta, deveríamos sim estar a questionar a invenção do smartphone. Será que sim?

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A pergunta na realidade não devia ser esta, deveríamos sim estar a questionar a invenção do smartphone. Será que sim?

Quarenta por cento da população que utiliza smartphone vê o telefone nos primeiros cinco minutos após ter acordado e olham para ele mais de 50 vezes ao longo do dia.

E 100% destes 40% fica em pânico quando vê o aparelho nas mãos de uma criança. Pior! Quando está nas mãos de uma criança por demasiado tempo, por tanto tempo que ela até se esquece do mundo que está à sua volta. Esta ansiedade que toma conta de nós diz-nos que os nossos filhos ficam reféns desta invenção. Ficam sem conseguir crescer. Sem conseguir evoluir. Esta invenção impede o crescimento social dos nossos filhos. Chega ao ponto de lhes perturbar a infância... meu Deus! Tanta mentira! Tanta ignorância da nossa parte. Digo eu, mas eu, que sou só um, sou suspeito.

Eu antevejo um futuro onde as crianças em idade pré-escolar, sim! essas mais pequeninas, interagem com uns écrans. Ecrãs esses que, imagine-se! podem até dar-lhes as mais variadas experiências humanas. Podem interagir com elas, podem estimulá-las.

Veja-se a televisão há 50 anos.

Aquela caixa no meio da sala! A caixa que ia afastar as crianças dos quintais, das bicicletas, do berlinde e dos joelhos esfolados. A caixa que ia afastá-las do mundo exterior.

Cinquenta anos depois, dizemos o mesmo... das pequenas caixas que carregamos no bolso.

Aqui pelo meio, entre a caixa da sala e as caixas dos nossos bolsos, apareceram essas coisas que nos permitiam, rir, divertir e interagir com os nossos amigos, mas na sala! Não na rua. Computadores e consolas. Medo! Tarde e tarde e tardes inteiras a jogar. Kick-off, Arkanoid, Sega Rally, Super Mario, The Legend of Zelda...

Hoje as crianças não estão em frente a uma só caixa e isso preocupa-nos. Preocupa-me! Fui criança e sou pai. E também, como todos nós pais, temos os nossos receios.

Os medos mais comuns passam pelos ecrãs passivos. Ecrãs que impedem que os miúdos se movam, se mexam, que fomentem a inércia. Diria até que o que nos deixa com os nervos à flor da pele, as macacadas, as mímicas desenfreadas pela casa afinal... são coisas boas! Quem gosta quando eles imitam os PJ Masks? Quem gosta quando eles copiam os Wild Cratts? Quem gosta quando o iPad vai atrás de uma trepadela no sofá e cai com violência no chão da sala? Deveríamos gostar todos. Eles que se mexam, que corram enquanto vêm as suas séries favoritas de desenhos animados.

Outro medo que normalmente nos assola enquanto pais são os jogos passivos. Muito mais numa época em que cada vez mais se fala em cognitive learning, em gamificação... e eu só penso em replicar estas jogatanas numa sala de aula. Aprender jogando! Que maravilha!

Por fim, o pior dos medos é o isolamento. O pânico de todos os pais quando percebem, estando certos ou errados, que os smartphones e tablets da vida estão a roubar tempo à família. Roubam tempo ao quotidiano. O erro é nos assumirmos que o nosso quotidiano é o quotidiano deles. E não é. Quem diria que o Daniel Tigre até cria empatia com os nossos filhos? Quem diria que a partir de um episódio do Ruca temos tema de conversa e que podemos potenciar a aprendizagem e o imaginário das crianças?

É tudo uma questão de equilíbrio. E o equilíbrio é ditado pelo quotidiano das crianças em comparação com o nosso. Só temos que casar o tempo delas com o nosso.

As crianças vivem no nosso mundo e o nosso mundo tem ecrãs. E na volta, nós “pais modernos” até somos da fatia daqueles 40% que olha para o smartphone assim que acorda e por mais 50 vezes ao longo do dia!

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico